Pensata

Marcio Aith

26/11/2001

Sexo, paixão e filhos são armas mortais contra o terrorismo

"Você quer saber como eliminar o terrorismo? Vou te dizer. Na verdade, vou contar pra você algo que ninguém sabe. Algo que ninguém escreveu a respeito. Você ficará impressionado, mas é verdade. Escute."

Com essa frase, um dos principais chefes de polícia palestino e da segurança pessoal de Yasser Arafat iniciou, há poucos anos, uma preciosa conversa com o jornalista Bruce Hoffman, da revista "The Atlantic Monthly".

O chefe palestino, cujo nome não foi identificado no artigo, seria um dos dois mais fiéis assessores de Arafat nas últimas três décadas.

Em linhas gerais, o chefe contou a Hoffman como a "Al-Fatah", facção da OLP (Organização Pela Libertação da Palestina), usou uma estratégia inusitada para convencer jovens palestinos da organização "Setembro Negro" a abandonarem o terrorismo, no final dos anos 70, quando seus serviços já não mais interessavam à causa palestina.

Em linhas gerais, a OLP apresentou lindas jovens aos terroristas durante uma festa em Beirute. Às jovens, recrutadas em acampamentos palestinos espalhados pelo mundo árabe, a OLP contou que estavam cumprindo uma missão desenhada pela mais alta autoridade palestina. Bastaria que comparecessem à festa, mais nada.

Aos jovens terroristas, a organização prometeu emprego pacífico e dinheiro se, em um ano, se casassem com uma delas e tivessem ao menos um filho.

Em menos de oito meses, 80% deles já estavam casados com garotas que conheceram naquela festa. Num ano, depois de outras festas similares, o "Setembro Negro" deixou de existir.

Os terroristas foram gradativamente tornando-se pais de família. Alguns negavam-se a sair de suas cidades com medo de serem presos em aeroportos. Não queriam deixar seus filhos órfãos.

O "Setembro Negro" fora criado pelo próprio Arafat como uma equipe terrorista de elite. Era formado por jovens que, embora dispostos a entregarem suas vidas pela causa palestina, não eram amadores, inocentes nem inexperientes como a maioria dos suicidas palestinos atuais. Eram assassinos supertreinados e raivosos.

O nome do grupo deriva do mês de setembro em 1970. Foi nessa data que os palestinos foram brutalmente expulsos da Jordânia, o que provocara uma segunda diáspora palestina em menos de 30 anos.

Os objetivos do Setembro Negro eram causar atentados que pudessem punir o governo jordaniano e incluir o sofrimento palestino na agenda mundial.

Dois dos atentados mais famosos do grupo foram o assassinato, em 1971, do primeiro-ministro da Jordânia Wasfi al-Tal e o sequestro, em 1972, de atletas israelenses durante as Olimpíadas de Munique, na Alemanha.

A idéia das festas com lindas jovens surgiu dois anos depois do atentado em Munique, quando a OLP concluiu que já não fazia mais sentido manter vivo o "Setembro Negro" porque o mundo já havia descoberto o sofrimento dos palestinos.

Em 1978, Arafat foi convidado a falar numa assembléia geral da ONU, na qual a Palestina também ganhou o status de observadora.

Os objetivos do grupo já teriam sido alcançados, mas os jovens terroristas negavam-se a abandonar a atividade que lhes havia proporcionado popularidade na comunidade e um objetivo de vida palpável.

Considero essa história maravilhosa não só por ser inusitada, mas também porque revela o círculo virtuoso da vida e expõe um erro israelense que perdura até hoje.

Refiro-me à resistência truculenta e besta de Israel em aceitar a criação do Estado Palestino sob o argumento de que os palestinos ainda não aceitaram o Estado de Israel.

Embora seja verdadeiro, esse argumento é na melhor das hipóteses frágil (na pior delas, sádico e cruel).

É verdadeiro porque parcela dos jovens palestinos realmente quer ver Israel fora do mapa. Não adianta tapar o sol com a peneira: o argumento israelense é real. Com o grau de humilhação e de pobreza a que os palestinos são submetidos, é difícil obrigá-los a serem magnânimos.

O argumento é igualmente frágil. Se tivesse condições de vida decentes, essa mesma parcela da população palestina trocaria o ódio por um projeto de vida. Teria estudo, residências invioláveis, soberania. Os terroristas provavelmente não desapareceriam, mas existiriam em número muito mais reduzido. Da mesma forma que os jovens do "Setembro Negro", os palestinos encontrariam outra atividade na vida além de odiar Israel.

É verdade que o saudita Osama bin Laden tem várias mulheres, casamentos e filhos e nem por isso abandonou o terrorismo. Mas trata-se de um exemplo imprestável. Bin Laden sempre foi rico e não é mais jovem. Sua personalidade é esquisita. Terroristas como ele surgem por motivos complexos, assim como os supremacistas norte-americanos. Refiro-me a vários dos jovens palestinos que o admiram. Esses, sim, precisam ser salvos.
Marcio Aith é correspondente da Folha em Washington. Escreve para a Folha Online às segundas

E-mail: maith@uol.com.br

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