Pensata

Marcio Aith

10/12/2001

Crise argentina vira novela mexicana

A ficha caiu no último sábado, quando eu e outros jornalistas esperavávamos, irritados, o "superministro" da Economia argentino, Domingo Cavallo, sair da sede do FMI, em Washington, a caminho de Buenos Aires.

Um dia frio e chuvoso anunciava o fim do pedaço de dezembro mais quente já medido nos EUA. Tentando fugir dos pingos da chuva, percebi ter vivido momentos muito parecidos em cada um dos últimos doze meses. Tive uma sensação estranha. A economia argentina sangra de forma ininterrupta desde dezembro de 2000, quando o FMI anunciou um pacote de US$ 39,7 bilhões ao país. (veja cobertura especial sobre a crise argentina).

Desde então, o drama tornou-se diário, sem fim. Passamos a conhecer as autoridades e aspones argentinos como se fossem jogadores da seleção brasileira. Estão sempre em Washington, sempre negociando. Poderiam abrir nos EUA um ministério de negociações com o FMI.

Todos esperávamos por um desfecho rápido da crise argentina. Talvez uma recuperação vertiginosa, quem sabe um colapso bancário interno "a la" crises clássicas da década de 80 ou um simples calote da dívida externa. A recuperação não veio. O colapso bancário demorou para ocorrer, talvez porque a Argentina privatizou seu sistema financeiro nos últimos cinco anos, o que transformou os bancos privados estrangeiros em sócios do governo argentino. Isso obrigou suas matrizes a jogarem dólares no sistema bancário, mesmo quando a situação econômica do país piorava. Já o calote quase veio duas ou três vezes, mas foi contornado.

Fiquei imaginando quantas páginas foram escritas sobre o tema nos jornais brasileiros, mexicanos, chilenos e uruguaios. Será que valeu a pena? Os leitores queriam uma cobertura tão extensiva? Uma das respostas cabíveis é que a cobertura intensa se justifica pelo risco de contágio de outras economias na região. Um indício disso teria sido o enfraquecimento do real e de outras moedas entre julho e setembro.

No entanto, acho que perdemos a chance de fazer uma abordagem mais analítica do impacto da últioma crise sobre a sociedade argentina. Ou, talvez, aproveitá-la para debater a fase "Bush" do relacionamento da comunidade financeira internacional com países emergentes.

Talvez não tenhamos percebido que a obsessão dos argentinos pelo sistema cambial fixo escapa da lógica econômica e toca a psiquiátrica. A maioria dos argentinos se comportou como passageiros de primeira classe num vôo internacional que se negam a sair do avião quando a viagem acaba. Não querem perder o serviço de bordo e o conforto.

Talvez não tenhamos percebido que, por ter sangrado por tanto tempo, a crise economia argentina perdeu seu elemento surpresa, ficou enfadonha e permitiu que os investidores se protegessem de uma a quebra. A crise argentina transformou-se numa daquelas novelas mexicanas (ainda passam no Brasil?) que, quando começavam a fazer sucesso, eram alongadas até as pessoas quebrarem a TV.

Demos muita atenção às autoridades argentinas nesse período, principalmente ao prestidigitador Cavallo. Já não há mais coerência nem realidade no que ele fala. No sábado, Cavallo saiu de dentro do FMI com a seguinte versão da conversa que teve com os diretores do Fundo: ele e o FMI teriam chegado a um acordo sobre números e sobre as medidas que devem ser tomadas para que o Fundo retome a liberação dos empréstimos ao país; o FMI teria exigido de Cavallo uma série de cortes de gastos; Cavallo levaria as propostas do FMI ao meio político argentino.

O relato de Cavalo foi totalmente "inverídico". Ninguém no FMI fez exigências a Cavallo porque a instituição percebeu que, além de nunca as cumprir, o ministro já está com cara de ex-ministro. Ele veio, sentou, falou um pouco, ouviu um pouco e foi embora com uma versão própria do que ocorreu. Só acreditou em Cavallo quem queria ser enganado.

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Marcio Aith é correspondente da Folha em Washington. Escreve para a Folha Online às segundas

E-mail: maith@uol.com.br

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