Pensata

Marcio Aith

12/03/2001

Patentes, a burrice estratégica brasileira

Há duas maneiras de entendermos a ameaça que o alto preço de remédios anti-HIV cria ao consagrado programa de combate à Aids no Brasil.

A primeira, amplamente favorável ao governo, vangloria a coragem que o ministro José Serra (Saúde) teve para brigar com grandes laboratórios, ameaçando quebrar patentes no Brasil se os preços de dois sensíveis medicamentos do coquetel anti-HIV não baixarem. Essa interpretação não está errada, pois, independentemente das motivações (possivelmente eleitorais) do ministro, Serra age corretamente ao tentar proteger um bom programa público contra grandes interesses privados.

O problema desta versão é que ela é incompleta e, com seus contornos épicos, esconde um fato gravíssimo: na ânsia de agradar a Casa Branca e companhias norte-americanas, o governo Fernando Henrique Cardoso, o Congresso Nacional e o INPI fizeram, ao longo da década de 90, concessões e agrados exagerados ao exterior, permitindo, sem que houvesse necessidade, que as companhias farmacêuticas Roche e Merck depositassem, no Brasil, as mesmas patentes que hoje Serra ameaça quebrar.

As concessões, todas espontâneas, foram: antecipar em três anos, em 1996, a adoção, no Brasil, do acordo internacional de propriedade intelectual (o "Trips"); adotar o "pipeline", mecanismo adicional e voluntário que permitiu patentes anteriores mesmo à 1996, desde que os remédios não tivessem sido lançados no mercado; permitir, por meio de pareceres gentis e de um excesso de generosidade, que o INPI aceitasse patentes de remédios antigos, travestidos de novos, e estendesse sua validade por períodos maiores que os necessários.

As patentes dos medicamentos Efavirenz e Nelfinavir, que Serra pretende quebrar, conseguiram ser depositadas no Brasil justamente por causa destas concessões e gentilezas. A patente do Nelfinavir foi depositada nos EUA em 1993, antes do Trips entrar em vigor no Brasil. No entanto, a companhia Agouron, associada à Roche, usou o mecanismo do pipeline para "voar" no tempo e garantir a patente do medicamento em sete de março de 1997.

No caso da patente do Efavirenz, depositada nos EUA em 1992, a Merck, por alguma razão que desconheço, não usou o "pipeline" para registrá-la no Brasil. Simplesmente apresentou, como sendo uma idéia nova, formas orais de ingestão do remédio com substâncias que facilitam sua dissolução no organismo. O INPI nunca questionou essa patente.

Quando a lei de patentes e o "pipeline" foram aprovados pelo Congresso, poucas vozes reagiram e disseram que provocariam um aumento abusivo no preço dos remédios. Elas foram chamadas de "vozes do passado e do atraso" pelo Palácio do Planalto. Depois da aprovação, o ex-presidente Bill Clinton telefonou para a Casa Branca para parabenizar FHC. Foi uma festa. Agora, estamos todos de ressaca mas ninguém se lembra da quantidade de bebida que ingerimos.
Marcio Aith é correspondente da Folha em Washington. Escreve para a Folha Online às segundas

E-mail: maith@uol.com.br

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