Pensata

Marcio Aith

18/02/2002

Como os EUA nos vêem

Entre outubro de 1999 e abril de 2000, a Universidade de Chicago foi contratada pelo Ministério das Relações Exteriores para fazer uma ampla pesquisa sobre a imagem do Brasil nos EUA. O projeto destinou-se a avaliar não só a percepção do público geral (1015 adultos entrevistados) como também as de um grupo de 217 formadores de opinião (parlamentares, empresários, sindicalistas e professores) e de 70 norte-americanos "de elite" ligados ao Brasil (brasilianistas, empresários com negócios no país, etc).

Pela sua importância, necessidade e abordagem ampla, a pesquisa custou caro ao erário. No entanto, apenas parte de suas conclusões foram divulgadas ao grupo de contribuintes que pagam por tais pesquisas _ ou seja, o público brasileiro.

Alguém no Ministério das Relações Exteriores, sentado numa mesa em Brasília, julgou que a imprensa pincelaria apenas as partes "ruins" das conclusões, fazendo sensacionalismo barato e atrapalhando as relações bilaterais. Julgou também que o presidente da República pudesse ficar bravo com ele se tais conclusões fossem publicadas.

Nosso diligente burocrata decidiu fazer um resumo das conclusões. Divulgou apenas dados gelados da pesquisa, em geral aspectos econômicos e políticos mais desinteressantes que um diário oficial sem contratações nem licitações. Outro dia (dois anos depois), um dos pesquisadores cedeu-me uma "parte da parte" censurada pelo Itamarati. É coisa desinteressante, mas cuja omissão revela como funciona a cabeça de alguns de nossos zelosos burocratas.

1) 20% responderam que não conheciam o país

2) 42% dos entrevistados disseram que o Brasil é menos importante que o México, a Rússia, o Japão e o Canadá

3) 39% dos entrevistados disseram que a língua oficial no Brasil é o espanhol

4) 66% disseram que a democracia no Brasil é instável

5) 28% disseram que o Brasil é uma grande "fonte" de imigrantes aos EUA

6) 33% disseram que o país é um grande exportador de drogas

7) 52% acreditam que as brasileiras não têm os mesmos direitos que os brasileiros no país

Com relação aos formadores de opinião, duas conclusões chamaram a atenção:

1- 71% deles consideram ruim ou péssimo o respeito aos direitos humanos no Brasil

2- 82% acham que a destruição da Amazônia é o principal problema ecológico no Brasil

No último dia 14 de fevereiro, o o Ministério das Relações Exteriores e a Embaixada do Brasil em Washington lançaram o projeto Discover Brazil, que consiste na publicação e na divulgação de um folheto dirigido a 1,5 milhão de estudantes (entre 11 e 13 anos) norte-americanos contendo informações e imagens do Brasil. Eu estive presente no evento e, vendo a curiosidade dos alunos, achei positiva a iniciativa.

Trata-se de um folheto bem preparado, ilustrado por mapas coloridos e informações básicas sobre o Brasil, enquadradas por informações gerais na forma de tabelas e fotografias. A iniciativa foi inspirada no "Brazil in the Schools", programa implementado na Inglaterra quando o atual embaixador brasileiro em Washington, Rubens Barbosa, era embaixador em Londres.

Como forma de capturar a atenção e estimular o interesse de alunos e de professores, o governo brasileiro incluiu no projeto um concurso de redação sobre o Brasil. Os professores e autores de redações vencedoras ganharão prêmios. O professor do aluno vencedor irá à Bahia. O aluno vencedor ganhará um computador (brasileiro).

Esse projeto pode nos ajudar a reverter o desconhecimento dos norte-americanos sobre o Brasil. O problema é que, para que iniciativas como essa sejam vistas no Brasil como esforços públicos, e não somente ações de diplomatas, é preciso que o Ministério das Relações Exteriores deixe de agir como uma elite monárquica sem obrigação alguma de informar ao público.

Os dados censurados da pesquisa pertencem ao público brasileiro: ao turista que não quer ser maltratado nos aeroportos dos EUA; ao empresário que quer vender produtos aos norte-americanos; aos acadêmicos que precisam de dados para pensar.

O governo brasileiro perdeu novamente a chance de divulgar essas informações. Aqueles dados poderiam ter justificado plenamente esse projeto (Discover Brazil), que, embora seja bom, precisa ser nosso.
Marcio Aith é correspondente da Folha em Washington. Escreve para a Folha Online às segundas

E-mail: maith@uol.com.br

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