Pensata

Marcio Aith

11/03/2002

EUA exibem seu maniqueísmo financeiro no Ceará

Não combina. Definitivamente. John Taylor, subsecretário do Tesouro dos EUA, desfila por Fortaleza, no Ceará, como ucraniano em escola de samba. Acompanhei ontem seus primeiros passos na reunião anual dos governadores do Bid (Banco Interamericano de Desenvolvimento).

Embora preparado e gentil no trato pessoal, Taylor é a versão econômica do unilateralismo militar do presidente George W. Bush. Enquanto latino-americanos falam em solidariedade, financiamento e crescimento, Taylor fala sobre "risco moral" e fecha os cofres.

Para Taylor e seu chefe, Paul O'Neill, o sistema financeiro internacional seria dividido entre os países que merecem empréstimos (geralmente aqueles que não os precisam) e os que não os merecem (a Argentina, por exemplo). Não haveria meio termo, zona cinzenta.

É a transposição, para o mundo das finanças, da teoria rústica do governo Bush para segurança: o mundo é dividido entre terroristas e não terroristas. Ontem, Taylor chegou a Fortaleza perdido e desconfiado.

Antes de reunir-se com o ministro da Economia da Argentina, Jorge Remes Lenicov, ficou "protegido" dentro do escritório improvisado da diretoria norte-americana no Bid. Por uma janela, enxergava as autoridades de outros países caminhando livremente, conversando, rindo. Perguntava aos assessores quem eram as estranhas personagens que falavam espanhol e riam, como se estivessem numa festa.

O receio de Taylor fazia sentido: direta ou indiretamente, falou-se muito mal dos EUA. Fernando Henrique Cardoso disse ser fácil pregar democracia quando existe superávit orçamentário e debate-se o que fazer com sobra de dinheiro _ numa alusão ao caso norte-americano.

O presidente do BC mexicano, Francisco Gil-Diz, disse que, sem apoio externo, nenhum país pode escapar de crises financeiras. O presidente do Peru, Alexandre Toledo, também bateu duro nos norte-americanos.

O timing de Taylor não é bom. Os EUA acabaram de restringir as importações de aço num momento em que pressionam a Argentina para não "se deixarem levar por tentações protecionistas".

É verdade que o Hemisfério Ocidental foi poupado, mas trata-se de uma questão de princípio. O "fast-track", mecanismo que aceleraria o processo da Alca, ainda não foi obtido pela Casa Branca no Congresso.

Os EUA falam em terrorismo quando o resto do hemisfério (com exceção da Colômbia) quer discutir pobreza e desenvolvimento. Há um enorme hiato entre os EUA e o mundo em desenvolvimento. Em Fortaleza, Taylor simboliza esse hiato.
Marcio Aith é correspondente da Folha em Washington. Escreve para a Folha Online às segundas

E-mail: maith@uol.com.br

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