Pensata

Marcio Aith

18/03/2002

Ricos querem transformar Monterrey num debate pequeno

Uma rixa menor entre a União Européia e o secretário do Tesouro dos EUA, Paul O'Neill, ameaça transformar a cúpula de Monterrey, cidade industrial do Norte do México, onde me encontro, num debate pequeno.

Mais de 40 chefes de Estado estão vindo a Monterrey ratificar uma declaração presidencial previamente escrita que fixa compromissos políticos a respeito de como e quando cumprir as metas do Milênio _ objetivos sociais aceitos por 191 países durante a Conferência do Milênio, em Nova York, em 2000.

Entre essas metas estão reduzir pela metade a pobreza mundial até o ano de 2015 e, em três quartos, os índices de mortalidade infantil no mesmo período.

Como é comum em documentos programáticos da ONU, a declaração presidencial é ampla, genérica e tem munição para qualquer país defender a tese que quiser. Tem elementos do chamado Consenso de Washington, colocados por pressão dos EUA para obrigar países em desenvolvimento a reformarem e abrirem suas economias como condição para receberem ajuda e empréstimos. Mas, para agradar países em desenvolvimento, o documento traz ainda uma forte condenação às barreiras comerciais dos países ricos, como as agrícolas européias e a imposta recentemente pela Casa Branca às importações de aço.

Dada a miríade de discussões plausíveis, é teoricamente viável debater e defender, em Monterrey, quaisquer aspectos (inclusive conflitantes) do Financiamento ao Desenvolvimento, nome dado ao evento.

Se os EUA e o FMI (Fundo Monetário Internacional) quiserem, poderão utilizar itens da declaração presidencial para justificar e aprofundar a linha dura com a qual tratam a Argentina. Isso porque o documento está repleto de alertas à condução macroeconômica dos países em desenvolvimento, dizendo claramente: "Governos devem prioritariamente evitar distorções inflacionárias e flutuações econômica abruptas que afetam negativamente a distribuição de renda e a alocação de recursos. Junto a políticas monetária e fiscal prudentes, requer-se um sistema de câmbio apropriado."

Em meio a essa diversidade de caminhos, os EUA e a União Européia parecem ter monopolizado o debate, centrado na ajuda e nos empréstimos concessionais dos países ricos ao pobres. A União Européia quer dobrar os atuais US 50 bilhões, os EUA resistem, querendo provas de que eles funcionam de fato para combater a pobreza. Essa discussão parece minúscula frente aos US 300 bilhões em subsídios agrícolas que europeus e norte-americanos mantêm para afastar os produtos dos países pobres e em desenvolvimento. É possível que esse assunto fique na periferia da discussão.

Mas será muito difícil vencer o bloqueio da mídia do primeiro mundo, sempre encantada com a ajuda aos pobres.

A única meta aparentemente concreta é uma promessa (vaga) de aumentar o volume de ajuda que os países mais ricos dão aos menos favorecidos. Pelo documento, as nações ricas deverão atingir um nível mínimo de 0,7% de seus PIBs em ODA ("Official Development Assistance", ou assistência oficial ao desenvolvimento).

Para que Bush não vá a Monterrey de mãos vazias, os EUA, que mantêm um nível de ajuda de 0,1% de seu PIB, propuseram ampliar em US 5 bilhões, em três anos, a ajuda oficial americana aos países mais pobres -mas desde que eles abracem reformas econômicas e políticas. O nível de ajuda atual dos EUA (US 11,6 bilhões) é o mais baixo desde o fim da Segunda Guerra Mundial.
Marcio Aith é correspondente da Folha em Washington. Escreve para a Folha Online às segundas

E-mail: maith@uol.com.br

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