Pensata

Marcio Aith

08/04/2002

O que o Brasil está fazendo por Bustani?

A não ser que um milagre ocorra, o embaixador brasileiro José Maurício Bustani será retirado à força, no próximo dia 21 de abril, da diretoria-geral da Opaq (Organização para a Proscrição das Armas Químicas), organização sediada em Haia, na Holanda.

Bustani foi "convidado a retirar-se" do cargo pelo subsecretário de Estado dos EUA para desarmamento e segurança internacional, John Bolton. Junto com outros governos aliados da Casa Branca, os EUA acusam o brasileiro de tentar ameaçá-los com inspeções, de interferir indevidamente nas negociações entre as Nações Unidas e o Iraque e de ignorar a colaboração norte-americana na redação de um documento relativo aos atentados terroristas de 11 de setembro.

Para quem não sabe o que é a Opaq, trata-se de uma organização formada em 1997 para verificar o cumprimento da Convenção sobre Proscrição de Armas Químicas, assinada em 1994.

Essa convenção foi uma resposta do mundo dito civilizado ao uso de armas químicas pelo governo do Iraque durante a guerra do ditador Sadam Hussein contra o Irã (os EUA e o resto do mundo árabe apoiaram o Iraque nessa guerra).

Seu texto obriga os países a destruírem seus estoques de armas químicas e submeterem suas indústrias químicas a inspeções regulares. Bustani, um carioca de fala incisiva, dirige o organismo desde que ele foi criado, em 1997. Infelizmente, a esmagadora maioria da opinião pública só veio a conhecer o fato agora que o brasileiro está sendo escorraçado do cargo. Bustani chocou-se com John Bolton, outro funcionário de fala incisiva.

A diferença entre ambos é que Bolton, subsecretário de Estado norte-americano, representa o país com o maior arsenal militar e que hoje é a potência hegemônica no mundo. Bustani é brasileiro, mas não exerce uma função no governo brasileiro. Ele exerce funções de diretor de uma organização internacional com um mandato conferido pelos países membros da Opaq. Na verdade, sua legitimidade advém da vitalidade do sistema multilateral. Sua eventual expulsão, portanto, deverá simbolizar o processo de enfraquecimento do sistema multilateral. No mês passado, Bustani recebeu apoio verbal do governo brasileiro quando visitou Brasília.

O presidente Fernando Henrique Cardoso e o chanceler Celso Lafer prometeram fazer campanha para manter Bustani no cargo. Tenho acompanhado o assunto de perto. A não ser que essa campanha esteja sendo feita da maneira mais sutil já registrada na diplomacia internacional, o governo brasileiro não está fazendo coisa alguma. É possível, quase provável, que o Brasil tenha abandonado Bustani à própria sorte. Também é possível, muito provável, que algum tipo de negociação entre o Brasil e os EUA esteja sendo conduzida por baixo dos panos. Bustani seria expulso e outro brasileiro ganharia a chefia de outra organização multilateral. O governo brasileiro nega com veemência que essa negociação esteja ocorrendo, mas no futuro veremos.
Marcio Aith é correspondente da Folha em Washington. Escreve para a Folha Online às segundas

E-mail: maith@uol.com.br

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