Pensata

Marcio Aith

29/04/2002

Monarquia árabe tenta seduzir os EUA

"Nunca esteve nos planos que ele pudesse virar rei", informa nota publicada pelo Travel Channel sobre documentário que irá ao ar na segunda-feira para apresentar a Jordânia ao público norte-americano. "Mas a vontade de seu pai mudou sua vida para sempre. O Travel Channel convida você a assistir esse jovem monarca revelar um lado desconhecido de seu país, de sua família e dele mesmo."

A publicidade do documentário tem linguagem de revista "Caras". O texto foi publicado nos principais jornais norte-americanos em cima de uma foto hollywoodiana do jovem rei da Jordânia, Abdullah, que é meio gordinho mas aparece como Clark Gable.

Abdullah assumiu o poder em 1999 de forma inesperada. Pouco antes de morrer, seu pai, o rei Hussein, substituiu a indicação já de seu filho mais velho, Hassan, que já era definida.

A referência à família de Abdullah na chamada do documentário não é gratuita. Sua mulher, a rainha Ranna, é certamente a palestina mais amada pelos norte-americanos. Ela é bonita e ela fala inglês perfeitamente. Nas fotos oficiais divulgadas pelo governo jordaniano, aparece jogando bilhar com os filhos, esquiando, andando de charrete.

Em suma, uma mulher ocidentalizada cujas imagens fazem os norte-americanos indagarem (como se fosse simples) por que palestinas não se transformam em Rannas em vez de virarem mulheres-bomba.

Analistas podem dizer que a imagem positiva da família real jordaniana nos EUA deve-se aos laços históricos do rei Hussein com Washington. Mas isso explica só parte da equação, a parte dita "intelectualizada".

A enorme classe média dos EUA adora monarquias e a fisionomia de Cindy Crawford da rainha consegue satisfazer com perfeição o "déficit monárquico" de um bombeiro no Texas ou de um vendedor do Wall-Mart em Nova Jersey.

Ranna é hoje o maior instrumento da Jordânia para manter a imagem do país intacta ao desgaste árabe após os atentados terroristas de 11 de setembro.

Outro Abdullah está tentando fazer o mesmo, só que de forma menos sutil. O príncipe herdeiro e governante de fato da Arábia Saudita, também Abdullah, comprou, por US 5 milhões, espaço nas principais emissoras dos EUA celebrando a parceria de 60 anos entre os dois países.

As propagandas relatam a recente proposta de paz do príncipe saudita para o conflito entre israelenses e palestinos e dizem que, se há um mal-entendido na relação entre Washington-Riad, é porque "alguém quer que a relação fracasse".

A mídia norte-americana está batendo pesado nos sauditas. Os EUA não engolem o fato de Osama bin Laden ser saudita, assim como 15 dos 19 sequestradores de 11 de setembro.

O problema é que há bases militares dos EUA na Arábia Saudita e a gasolina que abastece os carros norte-americanos é saudita. Essa parceria estratégica causa um conflito profundo nas mentes norte-americanas.

Abdullah da Arábia contenta-se em fazer os norte-americanos lembrarem-se que precisam dos sauditas. Abdullah da Jordânia quer mais. Quer que os norte-americanos gostem dos jordanianos como gostam de Ranna.
Marcio Aith é correspondente da Folha em Washington. Escreve para a Folha Online às segundas

E-mail: maith@uol.com.br

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