Pensata

Marcio Aith

06/05/2002

Os pontos e riscos do programa econômico de Lula

Na última sexta-feira, conversei com o economista Guido Mantega, principal assessor econômico do PT, sobre o programa econômico de Luiz Inácio Lula da Silva.

Imaginei que a entrevista pudesse vencer duas barreiras que impedem que a opinião pública brasileira tenha informações isentas sobre esse programa.

A primeira barreira, erguida dentro do PT, considera antidemocráticas quaisquer manifestações, opiniões e preocupações feitas por bancos de investimentos sobre a fragilidade da proposta econômica de Lula. Embora a direção do PT tenha se mostrado moderada e disposta a honrar compromissos externos, ela não hesita em tachar de terroristas quaisquer investidores que expressam dúvidas sobre como seus créditos serão pagos.

A segunda barreira foi construída em Wall Street. Ela rechaça qualquer tentativa de Lula e de sua equipe de mostrarem-se mais moderados. Segundo alguns analistas em Nova York, Lula é o diabo e qualquer tentativa que ele fizer para provar o contrário deve ser desprezada. Aliás, para eles, seria legítimo bombardear sua candidatura com relatórios e análises simplistas.

Colhi dúvidas específicas e as expus ao economista do PT. Sei que não se pode exigir total coerência de partidos (não só do PT, mas de todos) durante eleições. Se fossem completamente realistas, seus candidatos não ganhariam votos.

No entanto, dá para ter uma idéia das linhas básicas de um determinado programa e de seus riscos naturais.

Mantega afirma que o PT está comprometido com o equilíbrio fiscal e com a estabilidade monetária. No entanto, para buscá-los, diz que o PT não usará os mesmos instrumentos de FHC-Malan. Lula trocaria as atuais metas de superávit primário por metas de déficit nominal. Isso significa que, em vez de prometer economizar quantias fixas nas contas primárias (resultado antes do pagamento de juros) do orçamento, Lula propõe fixar metas máximas do total do déficit orçamentário nominal (incluindo os juros).

Quanto às metas de inflação, Lula pretende aumentá-las, pois, segundo Mantega, as atuais metas do BC são para países como a Suíça, não para o Brasil. As metas deveriam ser mudadas dos atuais 3,5% e 3,25% (em 2002 e 2003) para algo em torno de 4,5% e 5%. Seria adotado um núcleo de inflação no lugar no índice cheio, permitindo um expurgo de alguns aumentos de preços.

Depois, ao detalhar mais ainda a proposta petista, Mantega disse que Lula, caso eleito, tentará dinamizar a balança comercial brasileira rapidamente por meio de estímulos a setores exportadores prioritários.

O economista reconhece que não pode reduzir a taxa básica de juros por vontade própria do PT, mas disse haver outros instrumentos que poderiam ser usados.

Perguntei a ele como o partido faria para dinamizar a economia brasileira de forma rápida. Sua resposta: "Se o Brasil apresentasse um saldo comercial de, digamos, US$ 10 bilhões, o risco-país cairia e a taxa básica de juros poderia cair. Você pode imediatamente melhorar o saldo comercial dinamizando as exportações, tomando uma série de medidas. O BNDES pode baixar os juros dele para setores prioritários porque não são juros de mercado, são juros administrados. Os juros mais baixos que existem hoje na área industrial são de 15% ou 16%. Nenhuma economia do mundo competitivo tem uma taxa dessa magnitude. Ela não passa de 4%. Então, o BNDES pode dar uma alavancada nas exportações, na substituição de importações. Aí, as contas externas vão melhorar e os juros de mercado tendem a cair com a redução dos juros administrados."

Também no campo do estímulo da balança comercial, Mantega disse que Lula seria muito mais agressivo que FHC contra países protecionistas. Disse que o PT usaria especialmente barreiras não tarifárias contra países que, como os EUA, levantarem barreiras a produtos brasileiros como o aço.

A proposta do PT tem muitos pontos de identidade com as dos pré-candidatos do PSDB e do PPS à presidência, José Serra e Ciro Gomes. Não parece menos nem mais frágil que as duas. O crucial é saber como ela será colocada em prática.

No entanto, vale a pena discutir alguns riscos específicos da proposta de Mantega. O primeiro diz respeito à abolição das metas de superávit primário e à adoção de metas de déficit nominal. Se essas metas nominais forem realmente sérias, e se o PT realmente tiver um compromisso com a estabilidade monetária e fiscal, Lula ficará numa situação delicada caso os juros tenham que manter-se altos por razões alheias ao BC (choques externos, por exemplo).

Isso porque, com a taxa do BC alta, as despesas com juros mantêm-se altas ou até aumentam, fazendo com que o governo tenha de produzir automaticamente um superávit primário grande (talvez até maior que o de FHC) para manter a meta de déficit nominal. Será difícil para Lula explicar aos eleitores do PT as razões de um esforço fiscal típico de tucanos.

Outro risco diz respeito à inflação. O país ainda tem uma certa memória inflacionária e os mercados gostam dos juros e das metas como elas são atualmente. O PT não vê problemas em juros mais baixos e taxas de inflação um pouco mais altas. Pode ser que o partido esteja correto. No entanto, pode ser que só haja dois tipos de inflação para o Brasil atualmente: a baixa demais e a alta demais.
Marcio Aith é correspondente da Folha em Washington. Escreve para a Folha Online às segundas

E-mail: maith@uol.com.br

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