Pensata

Marcio Aith

27/05/2002

O "antibrasilianismo" do Congresso dos EUA

Seria antidemocrático e talvez impossível obrigar deputados e senadores a priorizarem assuntos de interesse nacional ou internacional em detrimento dos anseios imediatos dos grupos de cidadãos que os elegeram.

Membros de Legislativos ao redor do mundo tendem a canalizar suas atuações para o objetivo de preservarem o apoio das localidades ou grupos de interesses que os elegeram. Essa característica tende a ser mais forte nos sistemas de voto distrital _usado, por exemplo, para eleger deputados nos EUA. Não haveria sentido, para um deputado de um distrito nos EUA onde exista uma siderúrgica ineficiente, concordar em derrubar barreiras aos produtos de aço importado só porque a nação sairia ganhando. Afinal de contas, o país pode até sair ganhando, mas milhares de trabalhadores do distrito perderiam seus empregos. O deputado não foi eleito para defender a média do interesse nacional, mas o interesse de seu distrito. Essa visão também é forte nos Senados, seja ele o norte-americano ou o brasileiro. É com essa linha de raciocínio que inicialmente absorvi as dezenas de citações negativas feitas ao Brasil por parlamentares dos EUA nos últimos meses, durante debates intensos no Legislativo. No entanto, lembrei que todas as vezes em que parlamentares brasileiros fizeram críticas semelhantes aos EUA, foram acusados de "antiamericanos" por vários diplomatas dos EUA, por "brasilianistas" e por alguns profissionais com um pé em meios de comunicação brasileiros e outro em centros de pesquisa localizados em Washington. Convenhamos: se o Congresso e a sociedade brasileiros são acusados de "antiamericanismo" quando fazem o seu trabalho, seria justo dizer que o Congresso norte-americano também é "antibrasileiro".

Para quem tiver alguma dúvida, vejam três dos cerca de 100 discursos feitos sobre o Brasil pelo Senado (a menos protecionista das duas casas do Congresso) norte-americano nos últimos meses. A visão "antibrasileira" é esmagadoramente majoritária e a seleção que fiz dos três discursos, acreditem é representativa da maioria.

1- "O Brasil é um espinho para nós e para os diversos países da América do Sul que querem juntar-se aos nossos esforços para chegar a um acordo da Alca (Área de Livre Comércio das Américas). É importante recuar um pouco e perguntar por que o Brasil quer que nossas leis comerciais fiquem mais fracas. A resposta é muito clara: suas companhias e seus trabalhadores vão beneficiar-se a custa dos nossos" -Max Baucus, senador por Montana desde 1978 e presidente do influente comitê de assuntos financeiros do Senado

2- "Existem 2,9 milhões de crianças brasileiras abaixo de 15 anos trabalhando, trabalhando em indústrias e em outras circunstâncias, fabricando produtos que virão para nossos mercados. Vocês acham que é justo pedir a alguém de Pittsburgh -que está tentando criar uma família, que tem um bom salário e que trabalha num ambiente seguro- para competir contra uma criança de 12 anos de idade?" - Byron Dorgan, senador democrata do Estado de Dakota do Norte

3- "O Brasil tem 50% do mercado mundial de laranja. Se tirarmos a tarifa que hoje protege a citricultura da Flórida, da Califórnia e do Arizona, o Brasil terá 100% do mercado mundial e isso não é comércio livre, é monopólio. Senadores, vocês estão entendendo?" -Bill Nelson, senador democrata do Estado da Flórida

Marcio Aith é correspondente da Folha em Washington. Escreve para a Folha Online às segundas

E-mail: maith@uol.com.br

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