Pensata

Marcio Aith

10/06/2002

Lula representa o sonho norte-americano, mas não a realidade

Na semana passada, Donna Hrinak, embaixadora dos EUA em Brasília, surpreendeu a todos ao dizer que o pré-candidato do PT à Presidência, Luís Inácio Lula da Silva, simboliza o sonho norte-americano de ascensão social.

"Conheci o Lula nos anos 80. Ele teve de superar muita coisa para chegar onde chegou. O sonho dos Estados Unidos é um pouco o sonho brasileiro."

As palavras de Hrinak causaram boa impressão, não só entre os eleitores de Lula. A embaixadora foi ousada, embora provavelmente tenha programado cada palavra, milimetricamente.

O que ninguém sabe é que um dia antes, longe das reflexões de Hrinak sobre sonhos, o deputado Aloizio Mercadante, um dos coordenadores do plano de governo do pré-candidato do PT, conheceu um pouco da realidade norte-americana.

Mercadante e o deputado Antonio Kandir (PSDB-SP), um dos colaboradores do plano de governo do pré-candidato do PSDB à Presidência, José Serra, foram recebidos em Washington por Kurt Struble, subsecretário-assistente para o Hemisfério Ocidental do Departamento de Estado dos EUA.

Junto com Struble estava o responsável por assuntos do Brasil e Cone Sul do governo norte-americano, Gerard Gallucci. Findo o encontro, Gallucci acompanhou os dois deputados à saída. Puxou Mercadante de lado e disse: "Pegou muito mal a declaração de Paulo Delgado comparando o presidente Bush (George W) a Átila (o Huno). Esse tipo de afirmação só atrapalha".

Gallucci referia-se às declarações sobre Bush feitas em abril por Delgado, vice-líder do PT e membro da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados.

O deputado havia dito: "Bush é o algoz da globalização. Com ele, não há comércio multilateral, cultura transnacional nem solidariedade internacional. Bush é o Átila dos tempos modernos, que tem de ser detido pelos países cultos e pacifistas, como o Brasil".

Gallucci, que serviu como diplomata norte-americano no Brasil, tentava ser construtivo ao abordar o assunto com Mercadante. O objetivo de seu recado deve ter sido algo do tipo: "pô, agora que vocês podem ganhar essas eleições, vê se proíbe seus deputados de ficarem falando essas besteiras, isso só atrapalha".

Mercadante reagiu de forma educada, desconversou. À noite, num jantar na residência do embaixador brasileiro em Washington, Rubens Barbosa, Gallucci encheu Mercadante de perguntas, quase todas situadas na zona cinzenta entre a objetividade cortante e a agressividade. Queria saber o programa de política externa do PT, quais alianças Lula tentaria buscar, com qual ênfase, contra quem.

As posturas distintas de Hrinak e de Gallucci com relação ao PT revelam dois aspectos complementares da opinião atual dos EUA sobre Lula. É importante entender exatamente os limites e o real significado dessa opinião.

Nos últimos meses, vários funcionários norte-americanos disseram, publicamente, acreditar que uma eventual vitória de Lula não ameaçaria o regime democrático no Brasil. Embora tenha sido um sinal positivo para o PT, ele não indica que, para os EUA, uma Presidência de Lula seja benvinda. Pelo contrário.

Há resistências sérias ao petista. As puramente ideológicas estão dentro do próprio Departamento de Estado e são patrocinadas por algumas das figuras conservadoras do governo Bush, os "dinossauros" que estão mais à direita que Gengis Khan (Gallucci não é um deles, é bom esclarecer -ele é só um funcionário zeloso).

As resistências pragmáticas estão espalhadas por todo lugar e têm um viés comercial. Embora acreditem que Lula não vá rasgar a Constituição, os norte-americanos sabem que ele não será tão dócil com os investidores estrangeiros quanto foi FHC. E, como todos sabem, a democracia só faz sentido para a Casa Branca se estiver acompanhada de reformas de mercado. Caso contrário, é um luxo, inútil.

Nesse contexto, eu ousaria dizer que há mais maturidade hoje nos EUA com relação à uma eventual vitória de Lula do que havia nas eleições anteriores, e Hrinak personifica essa maturidade.

No entanto, é importante não confundir sinais de maturidade com sinais de simpatia. Lula é o candidato do sonho norte-americano, mas não da realidade.

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Marcio Aith é correspondente da Folha em Washington. Escreve para a Folha Online às segundas

E-mail: maith@uol.com.br

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