Pensata

Marcio Aith

22/07/2002

O preocupante sucesso de José Dirceu nos EUA

Não dá para esconder o sucesso da viagem aos EUA feita na semana passada pelo presidente nacional do PT, deputado José Dirceu. Ele não mentiu e agradou quem se dispôs a ouvi-lo. Impressionou positivamente o FMI, boa parte dos banqueiros e a Casa Branca. Talvez tenha sido a melhor incursão petista aos EUA desde 1989.

Mas é preciso reconhecer, em nome da Justiça e da isonomia entre os candidatos, que parte desse sucesso deve-se ao fato de Dirceu (e outros petistas) ter descoberto ser possível apresentar a mesma verdade em embalagens diferentes. Descoberta, aliás, já feita por outros partidos há décadas.

Todas as reuniões de Dirceu em Washington foram fechadas. Foi assim com banqueiros, com o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), e com o IIE (Institute for International Economics), o mais influente centro de pesquisa econômica de Washington.

Para sermos justos, poderíamos argumentar que o formato dos encontros é determinado por quem convida, e não pelo convidado. É verdade. Também é verdade que Dirceu teve a coragem de dizer algumas coisas incômodas aos defensores do Consenso de Washington, como reconheceram aqueles que o ouviram.

Dirceu afirmou que o PT não pretende manter Armínio Fraga na presidência do Banco Central e que "essa história de BC independente não é necessariamente a solução para o Brasil".

No entanto, todos os jornalistas que cobriram a visita perceberam que, ao sair desses encontros, Dirceu omitiu parte relevante do que dissera lá dentro.

Em Nova York, ao falar sobre a reforma da Previdência do PT para banqueiros, deixou claramente a mensagem de que o PT quer limitar a aposentadoria de servidores públicos, tornando-as iguais às aposentadorias pagas aos trabalhadores do setor privado.

Mentira? Não, é verdade. Dirceu não mentiu. O PT defende a equiparação das aposentadorias em qualquer situação e para qualquer platéia. No entanto, quando a reforma previdenciária é vendida a eleitores brasileiros, ela perde a ênfase fiscal com a qual foi apresentada em NY.

Na página do PT na internet, por exemplo, o deputado Paulo Paim mostra outra embalagem para a mesma proposta. Diz ele: "Existem dois aspectos sobre a chamada crise da Previdência. Um é a política de anistiar grandes devedores, o que se configura uma apropriação indébita. Recentemente o governo decretou uma anistia de R 25 bilhões para grandes devedores. Outra questão é o caixa único da Previdência, que é um problema contábil. O governo pega os recursos da Previdência e joga no caixa do Tesouro. Quando fala em déficit, pega só a rubrica de fontes de recursos de empregados e empregadores. Com o desemprego crescente, a tendência é essa conta ser deficitária".

As duas são claramente diferentes. A que Dirceu usou em Wall Street sugere a seguinte mensagem: vou limitar a aposentadoria dos servidores do setor público, algo que nem FHC conseguiu fazer. A do PT no Brasil diz: o problema não é o valor da aposentadoria dos servidores públicos, mas sim o fato de o Tesouro tirar dinheiro dos aposentados e a anistia concedida a grandes devedores.

Na palestra do BID em Washington, Dirceu também omitiu dos jornalistas ter contado aos funcionários multilaterais que ligara para o presidente Fernando Henrique Cardoso antes da viagem e que considera que FHC apoiará Lula num eventual segundo turno sem Serra. O público dentro do BID viu o fato como mais um sinal de maturidade do PT. No entanto, para os jornalistas que o esperavam do lado de fora, esse fato não existiria se isso não tivesse vazado. Para nós, brasileiros, Dirceu achou melhor vender a versão de que enfrentou o Consenso de Washington no peito, como um bravo.

Washington e Nova York embebedam seus convidados de honra. São cidades encantadoras, cheias de discussões fechadas, palestras para sócios, debates discretos. Como o PT tenta equilibrar-se entre sua base de eleitores e os banqueiros em Wall Street, talvez esse modelo lhe convenha. Permite que embalagens conflitantes não se cruzem nunca.

No entanto, para quem acompanha o PT há 23 anos, esse comportamento entristece um pouco. Não é para isso que o PT nasceu. Se o partido decidiu limitar a aposentadoria de servidores públicos, que tome a coragem de reconhecer isso publicamente. Se Dirceu quer dizer a banqueiros que conversa com FHC pelo telefone, que diga isso a todos os eleitores.
Marcio Aith é correspondente da Folha em Washington. Escreve para a Folha Online às segundas

E-mail: maith@uol.com.br

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