Pensata

Marcio Aith

29/07/2002

Denúncias deram "Casca Grossa" a FHC

"Com o tempo, a pele vira couro. Mesmo sendo couro, dói. Mas depois a história reconhece". Essa frase aí é do presidente Fernando Henrique Cardoso, ao reagir à divulgação, pela Folha, de documentos do governo norte-americano revelando a espionagem dos EUA para ganhar o Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia), detalhando o papel do brigadeiro Marcos Antônio de Oliveira, hoje chefe do Estado-Maior da Aeronáutica, para dar uma mão aos americanos e mostrando a importância geopolítica conferida pela Casa Branca ao projeto.

Na verdade, a pele de FHC não se transformou em couro. É sua casca que ficou grossa. Tão grossa que, para desmerecer as últimas denúncias, fingiu que os documentos foram comprados no Viaduto do Chá, em São Paulo.

Na verdade, os documentos que esculhambam sua administração, a retratam como um governo de bananas, pertencem ao governo americano. Diplomatas americanos, e não esquerdistas brasileiros, retrataram o governo FHC como um grupo de burocratas latino-americanos que precisam ser "energizados" pela Casa Branca para moverem-se. É dos americanos que FHC teria que reclamar, se não tivesse casca grossa nem rabo preso. Mas o presidente, sempre auxiliado por uma parcela dócil da imprensa, interessada em atrair uma graninha em anúncios, faz o que qualquer presidente casca grossa faria. Enrola e confunde o quanto pode.

Aliás, entre os documentos fornecidos à Folha pelo governo americano, há um precioso memorando da Raytheon, companhia americana que ganhou o projeto, detalhando sua estratégia para "convencer" jornalistas a apoiarem o Sivam. Não há nenhuma indicação de pagamentos a jornalistas. Portanto, o documento não tem importância. Mas explica muito bem como funciona a estratégia da Raytheon para arrumar "amigos" no Brasil.

FHC e a Raytheon tentaram enrolar quando a revista "Istoé" publicou, em 1995, a reportagem "Conversas Fulminantes", de Luciano Suassuna. Fingiu ignorar quando Bob Fernandes, da revista Carta Capital, comprovou, por meio de diversas textos, como é que funcionou o esquema de arapongagem da CIA para ganhar em Brasília. E vão enrolando enquanto podem.

Dessa vez, a contra-ofensiva da Raytheon e do Planalto contou com uma retórica inusitada. Num clima de "ExpoEx" (Exposição do Exército, lembram-se?) moderno, sob imagens de radares aerotransportados e todo o escambau tecnológico, mandaram dizer que os inimigos do Sivam são defensores de acidentes aéreos. Sim, é isso mesmo. Acompanhem a lógica: como o objetivo do Sivam é completar a cobertura do tráfego aéreo no Brasil, qualquer acusação de suborno, corrupção e espionagem em seu processo de seleção equipara-se à defesa intransigente dos acidentes aéreos.

É isso aí. Em nome da segurança dos vôos, deixem, pelo amor de Deus, nossos burocratas com cascas grossas serem "energizados" pela Casa Branca.
Marcio Aith é correspondente da Folha em Washington. Escreve para a Folha Online às segundas

E-mail: maith@uol.com.br

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