Pensata

Marcio Aith

19/08/2002

O Japão merece desculpas

Num sábado ensolarado em junho de 1998, o então subsecretário do Tesouro dos EUA, Lawrence Summers, convocou uma entrevista coletiva em Tóquio para falar sobre a crise econômica asiática, que, depois de uma falsa recuperação, sofria uma grave recaída.

Segunda maior economia do mundo, o Japão era pressionado pelos EUA a acelerar a solução dos créditos de liquidação duvidosa de seus bancos _ que totalizavam oficialmente US 550 bilhões e impediam a retomada dos empréstimos ao setor privado.

Correspondente da Folha em Tóquio à época, fui escalado para cobrir o evento, realizado num dos diversos hotéis luxuosos da cidade.

Feito o General Douglas Mac Arthur em dia de rendição, Summers tratou os repórteres japoneses com evidente ar de superioridade.

Dias antes, uma intervenção conjunta fora executada pelos Estados Unidos e pelo Japão para estabilizar o iene e impedir que a crise asiática se espalhasse pelo mundo.

Summers disse que a intervenção havia criado para o Japão uma oportunidade única para consertar a sua economia. "Depois da intervenção, criamos uma janela importante, e é essencial que o Japão tire vantagem dessa janela o mais rápido possível porque ela não vai estar sempre aberta", disse ele.

O subsecretário repetiu que a decisão de intervir fora tomada pelos EUA no contexto das promessas do Japão de reformar sua economia e que, por isso, "o mundo" estaria observando os próximos passos do governo japonês.

O mundo sofria com a crise, mas, sob o ponto de vista americano, também havia negócios lucrativos a serem fechados: governos asiáticos, muito mais conscientes de seus interesses estratégicos que os latino-americanos, seriam finalmente obrigados a derrubar barreiras comerciais; grupos asiáticos poderiam ser vendidos a conglomerados dos EUA; áreas nunca antes exploradas por estrangeiros seriam liberadas; barreiras comerciais seriam derrubadas. Chegara o momento para os americanos.

Passados quatro anos, testemunho, aqui dos EUA, um escândalo corporativo de proporções ainda não conhecidas, capaz de colocar o lado obscuro do capitalismo japonês no chinelo. Bancos de investimentos enganaram seus clientes e, mancomunados com executivos da famigerada "Nova Economia", inflaram uma bolha de US 7 trilhões. A bolha estourou. Falências individuais, que já haviam atingido o recorde de 1,4 milhão em 2001, deverão chegar a dois milhões em 2002. Idosos norte-americanos foram obrigados a voltar a trabalhar depois de perderem suas economias nas Bolsas. Milhares de americanos venderam suas próprias casas para, depois, refinanciá-las. Repletos de créditos de liquidação duvidosa, bancos americanos estão fechando as torneiras.

Nas décadas de 80 e de 90, os EUA diziam que o Japão criou uma bagunça com seu "crony capitalism" (que, em português, significa mais ou menos capitalismo entre amigos", ou, como dizia Roberto Campos, "capitalismo dos cupinchas"), adotando critérios políticos e interesses escusos na condução das políticas econômica e de crédito. É verdade, mas o Japão, como sabemos hoje, não foi o único país a adotar esse modelo.

A sucessão de crises no Japão e nos EUA traz uma lição para a América Latina. Se os japoneses tivessem vendido seus ativos na proporção que queriam os americanos durante a crise asiática, companhias tradicionais teriam parado nas mãos da WorldCom ou da Enron. Mas os japoneses, que não estão interessados em desculpas, mas em preservar suas companhias, empregos e instrumentos de ação, resistiram às pressões. Daqui a pouco começam a comprar companhias americanas.
Marcio Aith é correspondente da Folha em Washington. Escreve para a Folha Online às segundas

E-mail: maith@uol.com.br

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