Pensata

Marcio Aith

02/09/2002

Stanley Fischer defende sua gestão no caso argentino

Para quem acostumou-se a vê-lo representando o FMI (Fundo Monetário Internacional), instituição que ajudou a dirigir durante oito anos, é estranho ver o economista Stanley Fischer dentro de seu novo escritório, na sede do Citigroup, em Nova York.

Na última quarta-feira, Fischer me recebeu para uma entrevista sobre a economia brasileira, publicada na edição de ontem da Folha de S.Paulo. Mas ele também falou sobre outros assuntos, os quais abordo e divulgo nessa coluna.

Vice-diretor-gerente do FMI (Fundo Monetário Internacional) entre 1994 e 2001, Fischer defendeu sua atuação em favor do último pacote de ajuda à Argentina, em agosto de 2001, pouco antes de ele deixar o FMI.

Exibiu ceticismo com relação à criação de um sistema de concordatas para países em crise e revelou uma frustração _ o aparente fiasco da Linha de Crédito de Contingência, uma forma de empréstimo criada em abril de 1999 pelo FMI para proteger países que reformam suas economias mas que, mesmo assim, sofrem crises externas. Nenhum país a utilizou até o momento, embora o FMI, em setembro de 2000, tenha suavizado suas exigências.

Fischer nasceu na Zâmbia (África) há 59 anos e naturalizou-se norte-americano. Foi chefe do Departamento de Economia do MIT (Massachusetts Institute of Technology) e economista-chefe do Banco Mundial, entre 1988 e 1990.

A seguir, trechos de sua entrevista:

  • ARGENTINA:

    "Era essencial que a Argentina entendesse que o mundo exterior fez tudo o que podia para ajudar o país manter o sistema. Absolutamente essencial. Os argentinos acreditavam no regime de convertibilidade e, mesmo imediatamente antes do colapso, ainda havia um apoio político forte ao regime.

    Não consigo entender como é que o mundo exterior poderia fechar as portas para o país quando o ministro da Economia (à época, Domingo Cavallo) veio a Washington apresentar um plano para preservar o sistema.

    O que deveríamos ter feito? Dito "OK, você tem um plano, mas nós não acreditamos em você. Portanto, adeus, entre em colapso"? Não fazia sentido. Desde 1998, era claro que a situação fiscal da Argentina se deteriorava. Tenho arquivos antigos aqui comigo.

    Em 1998, o "staff" do Fundo informou ao governo que a situação estava se complicando, que, embora os mercados estivessem com o país naquele momento, a situação poderia mudar. O PIB do país era espetacular naquele ano.

    Muita gente dizia que a Argentina não tinha um déficit grande. Era verdade, mas o problema não era o déficit, mas a relação entre a dívida e o PIB.

    Se um país quiser manter um regime de convertibilidade nessa situação, tem que pagar um custo grande. Se eles tivessem um plano realista e recuperassem a confiança dos mercados, os juros (da dívida) talvez pudessem cair e a situação, melhorar.

    Foi trágico. O país queria desesperadamente preservar a estabilidade e era claro que a estabilidade dependia do regime de convertibilidade. Mas, por outro lado, não havia condições políticas para que eles conseguissem o que queriam.

    O FMI alertou o governo argentino durante anos sobre o problema fiscal. Há coisas que dizíamos a eles de forma privada que não falávamos em público.

    Agora, se você perguntar se a Argentina deveria ter dolarizado ou simplesmente deixado o peso flutuar pouco antes da crise, a resposta é outra. Acredito que a dolarização traria menos problemas no curto prazo.

    A situação não teria sido tão difícil. No entanto, se o país tivesse dolarizado, os transtornos severos de ajuste permaneceriam devido às restrições de política monetária típicas de uma economia dolarizada."


  • LINHA DE CRÉDITO DE CONTINGÊNCIA

    "Foi uma das minhas grandes decepções. Foi uma idéia fantástica. Quando foi originalmente feita, os europeus não gostaram. Colocaram tantas restrições que ficou claro que ninguém a usaria.

    Foi aprovada formalmente, mas perdeu sua utilidade prática. Mais tarde, num determinado momento, o FMI relaxou suas condições. Foi um dos exemplos de que o FMI nem sempre é comandado por países industrializados.

    Diretores-executivos da América Latina dirigiram o "board" (diretoria-executiva do FMI) e mudaram as regras. Passei a achar, naquele momento, que o problema seria contornado, mas talvez a LCC ainda fosse muito restritiva. Foi uma pena porque, na minha opinião, a LCC é uma maneira de incrementar as reservas ao custo zero."

  • SISTEMA DE CONCORDATAS PARA PAÍSES EMERGENTES

    "Há problemas políticos sérios. Seria necessário mudar leis em cada um dos países. Demoraria muito tempo _ talvez nunca ocorra.

    No entanto, essa discussão é sempre necessária, pois é importante ter idéias claras sobre os efeitos de um "default". Fiquei surpreso pelo fato de não ter havido muitos problemas jurídicos depois da moratória da Argentina.

    Muitas pessoas afirmavam que, se a o país quebrasse, a reestruturação de sua dívida ficaria presa nos tribunais.

    Houve algumas ações judiciais, mas em volume muito menor daquele que eu previa. Um sistema de concordatas seria necessário se houvesse um número muito grande de processos judiciais.

    No entanto, um dos efeitos interessantes dessa discussão foi que ela estimulou a proposta de introdução das chamadas cláusulas de ação coletiva nos contratos de emissão de títulos. Isso nunca teria ocorrido sem o debate sobre um sistema de concordata para países"
    Marcio Aith é correspondente da Folha em Washington. Escreve para a Folha Online às segundas

    E-mail: maith@uol.com.br

    Leia as colunas anteriores

  • //-->

    FolhaShop

    Digite produto
    ou marca