Pensata

Marcio Aith

09/09/2002

Superávit primário de 3,75% do PIB: teto ou piso?

Disfarçada de "mal-entendido", uma divergência poderá complicar logo de início o relacionamento entre o próximo presidente brasileiro e o FMI (Fundo Monetário Internacional).

Se tivéssemos perguntado nas últimas semanas aos candidatos à presidência qual foi o superávit primário do setor público (receita menos despesa sem contar gastos com juros da dívida pública) acertado com o FMI para 2003, a resposta teria sido: exatos 3,75% do PIB, nem mais nem menos.

Se fizermos a mesma pergunta aos técnicos do Fundo que negociaram o acordo, a resposta será: "aquele que for necessário para estabilizar a relação entre dívida pública e PIB. A meta inicial será de 3,75%, mas poderá ser elevada em qualquer uma das quatro revisões trimestrais do ano que vem."

O fosso entre as duas respostas é enorme e tem sido escondido sob o tapete para evitar maiores turbulências nos mercados. Na semana passada, quando o texto do acordo foi anunciado e os candidatos reclamaram de seus termos, percebeu-se pequena parcela da confusão que nos espera.

Antes, para mostrarem-se amigos dos mercados, os candidatos demonstraram aprovação ao acordo porque disseram ter entendido que a meta de superávit para o ano que vem fora fixada em 3,75% de forma estática, imutável e desvinculada de variáveis como câmbio e juros.

Luiz Inácio Lula da Silva expressou várias vezes concordância com o acordo porque ele teria respeitado o "patamar máximo de superávit de 3,75% aceito pelo PT".

O problema é que, para o FMI, a meta é o piso, e não o teto. Além disso, não é estática: pode subir já em março do ano que vem.

Reza o acordo com o FMI: "Uma depreciação significativa e permanente da taxa de câmbio, a manutenção de altas taxas de juros reais ou uma recuperação da economia muito mais lenta do que a projetada implicariam a necessidade de um superávit primário mais elevado para estabilizar a relação dívida/PIB em 2003 e para colocá-la numa trajetória declinante a médio prazo."

A culpa da confusão não é só de Lula. Para mostrar-se amiga da população, a equipe econômica brasileira escondera esse detalhe do novo acordo. No dia oito de agosto, um dia depois do anúncio do pacote de US 30,4 bilhões, o ministro da Fazenda, Pedro Malan, e o presidente do BC, Armínio Fraga, deram longa entrevista coletiva em Brasília.

Nela, ao relatar a fixação de uma meta de 3,75% em 2003, Malan disse: "Esta é uma meta que já propusemos na lei orçamentária para o próximo ano e que foi aprovada por todos os partidos, inclusive da oposição."

Segundo Malan, a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) sugere a manutenção dessa mesma meta em 2004 e em 2005. "Esse patamar é apoiado por todos os partidos de oposição".

Malan estava tecnicamente correto, mas esqueceu-se de dizer, de forma clara, o mais importante: que o FMI deixou clara a possibilidade de elevar o superávit primário em qualquer uma das quatro revisões do acordo previstas para o ano que vem. É só pegar a gravação da entrevista e vocês irão perceber: Malan deu a entender que, na questão do superávit primário, o acordo com o FMI é idêntico à LDO. Nada mais errado.

É verdade ser óbvio, para um economista, que o FMI não concordaria com um superávit primário imutável porque a economia fiscal não é uma meta solitária _ seu objetivo, no caso brasileiro, é equilibrar a relação dívida/PIB e essa relação varia.

No entanto, numa campanha eleitoral confusa, onde nem todo eleitor é economista e na qual candidatos e autoridades são esguios, todo esclarecimento deveria ser obrigatório.
Marcio Aith é correspondente da Folha em Washington. Escreve para a Folha Online às segundas

E-mail: maith@uol.com.br

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