Pensata

Marcio Aith

21/10/2002

Lula e Chávez, vistos de Caracas

Como estou em Caracas, decidi verificar se analistas locais e adversários do presidente Hugo Chávez acham que Luiz Inácio Lula da Silva "poderá transformar o Brasil numa Venezuela".

Antes, no entanto, vale dizer que tal comparação, tal como foi feita na campanha eleitoral brasileira, revela não só preconceito contra a Venezuela mas também ignorância com relação à América Latina.

Em alguns aspectos, virar a Venezuela seria bom para nós. Lembrem-se que, segundo dados da ONU, a população da Venezuela tem melhor qualidade de vida que a nossa, mesmo com a crise atual. Além disso, a sociedade venezuelana é mais justa, mas igualitária, segundo o índice de Gini, indicador internacional que mede concentração de renda.

Feita a observação, não encontrei em Caracas um único analista que visse similitudes entre os dois políticos.

Para os venezuelanos, Chávez é um líder popular cujo discurso excita e atrai setores desorganizados, desprotegidos e pobres da sociedade. Lula, dizem eles, veio de um movimento organizado - o sindicalismo - com grande influência sobre o proletariado urbano. Não existe Lulismo no Brasil, mas petismo. No Brasil, custou para os pobres adotarem Lula e, ainda hoje, a adesão não é total. A classe média veio primeiro.

Na Venezuela, o partido de Chávez (o Movimento Quinta República) é um instrumento que orbita em torno do presidente. No Brasil, o PT administrou cidades e Estados para, só depois - e provavelmente no próximo domingo- chegar à presidência.

Chávez se auto-proclamou um revolucionário, embora, se repararmos bem, nunca pregou o desrespeito à constituição do país. É a Constituição, diz ele, que é revolucionária. Lula desistiu do socialismo e talvez nunca tenha pensado em revolução.

Segundo Teodoro Petkoff, ex-ministro, jornalista e "opositor construtivo" de Chávez, diz que Lula, diferentemente de Chávez, inscreve-se nos parâmetros da esquerda moderna, aparenta um dirigente do socialismo europeu.

Já para o colunista Manuel Felipe Sierra, crítico ferrenho de Chávez, seria um exercício de pura imaginação supor que os brasileiros viverão, com Lula, um processo de transformações radicais similar ao da Venezuela. Lula, segundo ele, adotará um modelo democrático progressista e encontrará um espaço entre as limitações do FMI e as necessidades básicas do povo brasileiro.

Em suma: Lula está disposto a abraçar a bandeira social e, ao mesmo tempo, cumprir as exigências do FMI e jogar dentro do sistema. Chávez chegou ao poder sem ter precisado caminhar para o centro, moderar o discurso. Não precisa agradar ninguém muito menos respeitar regras do FMI e do neoliberalismo. Tem um projeto e caminha em direção a ele, sem desvios.
Marcio Aith é correspondente da Folha em Washington. Escreve para a Folha Online às segundas

E-mail: maith@uol.com.br

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