Pensata

Marcio Aith

09/12/2002

Desafios e euforia do amigo americano de Lula

Apenas dois estrangeiros puderam subir ao palanque da festa da vitória de Lula na Avenida Paulista no dia 28 de outubro passado. Um deles foi Luis Favre, assessor petista e namorado da prefeita eleita de São Paulo, Marta Suplicy. A presença discreta do outro _Stanley Gacek, advogado sindical americano e amigo do presidente eleito desde 1981_ não foi notada por ninguém.

Amanhã (terça-feira, dia 10 de dezembro), na condição de presidente eleito em viagem aos EUA, Lula visita Gacek e a confederação sindical para a qual trabalha, a AFL-CIO. Será um encontro recheado de simbolismo e desafios.

Diretor internacional adjunto da AFL-CIO, Gacek e sua entidade ganham um amigo na presidência do Brasil. No entanto, a eleição de Lula também marca o momento em que, eleito presidente, o ex-líder sindical brasileiro é obrigado a condenar publicamente temas defendidos pelos sindicalistas americanos -como as barreiras americanas à importação de aço do Brasil. A seguir, a entrevista de Gacek à Pensata.

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Pensata - Como o sr. conheceu Lula?
Stanley Gacek -
Em 1979 e 1980, acompanhei, dos EUA, o surgimento de um novo sindicalismo mais independente no Brasil, com negociações coletivas diretas envolvendo grandes multinacionais dos setores automobilístico e metalúrgico. O sindicalismo americano logo percebeu a importância de Lula.

Pessoalmente, fiquei muito interessado. Em fevereiro de 1981, fiz parte de uma delegação internacional ao Brasil formada por metalúrgicos da indústria automobilística americana, um deputado e dois sindicalistas alemães. Naquela época, Lula era acusado (e acabou sendo condenado) com base na LSN (Lei de Segurança Nacional). Eu trabalhava na Federação dos Trabalhadores de Alimentação e Comércio dos EUA, um dos maiores sindicatos da AFL-CIO.

Pensata - Você participou da primeira viagem de Lula aos EUA?
Gacek - Não. Na verdade, duas semanas antes do processo de LSN contra Lula, em fevereiro de 1981, ele fez uma viagem rápida a Washington. Ele estava acompanhado de Maria Helena Moreira Alves (irmão de Márcio Moreira Alves) e de Francisco Weffort.

Em 1982, ele fez uma segunda viagem aos EUA. Essa eu ajudei a organizar. Em 1983, voltei ao Brasil para assistir ao congresso de fundação da CUT. Fui aprofundando nossas conexões com o PT e com o sindicalismo progressista no Brasil. O Lula fez uma terceira viagem a Washington em 1989, meses antes da primeira eleição presidencial da qual participou. E, depois, uma quarta, em 1994. Durante essas duas décadas, acho que fui todos os anos ao Brasil. Fiquei amigo de Lula.

Pensata - A eleição de Lula parece ter significados contraditórios para o sr. Por um lado, marcou a ascensão ao poder de seu amigo pessoal e de um líder sindical internacional próximo da AFL-CIO. Mas Lula não precisa mais do sr. para organizar viagens aos EUA. Além disso, passa a defender posições estratégicas do empresariado do país _como o fim dos subsídios da Casa Branca ao aço_ que são contrárias aos interesses dos trabalhadores americanos. Qual será a dinâmica da relação entre o sr. e Lula?
Gacek -
Para nós, a vitória de Lula é um momento de muito orgulho e, ao mesmo tempo, um grande desafio. Para o movimento sindical internacional, a eleição de Lula é importante porque agora temos "um de nós" na presidência do maior país da América Latina e em uma das maiores economias do mundo. Isso é empolgante.

O fato de ele ter que consolidar todos os interesses do país reflete a capacidade dos sindicalistas de serem protagonistas sociais e de governarem países. Lula busca uma alternativa ao paradigma que governa esse momento da globalização.

Concordamos com grande parte do programa de Lula. Há mais pontos de coincidência do que diferenças entre ele e os interesses do sindicalismo americano. Por exemplo: essas ressalvas de Lula à Alca (Área de Livre Comércio das Américas) são compartilhadas por nós. Falta abordagem social e trabalhista às discussões da Alca.

Além disso, falta um sistema de desenvolvimento completo para fechar as brechas de desigualdade que estão expostas no hemisfério. Como podemos ter uma Alca justa quando as multinacionais americanas controlam 80% do PIB da região? Concordamos com isso também. Lembre-se que o Nafta, para nós, tem sido um pesadelo por ter priorizado os interesses dos grandes grupos financeiros e multinacionais contra o Estado. Essa parece ser também a estratégia para a Alca.

Temos muito mais pontos de coincidência do que diferenças com o PT. É claro que podemos constatar alguns pontos de divergência. A questão do aço é uma deles. No entanto, os metalúrgicos daqui estão conduzindo um diálogo muito construtivo com a CUT e com a Força Sindical.

Já há um acordo sobre essa questão, para que não haja um conflito que vá prejudicar os trabalhadores dos dois países. Falta uma política industrial nos dois países. Lula diz normalmente que há mais política industrial nos EUA do que no Brasil. Eu, sendo americano, tenho minhas dúvidas.

Pensata - Lula defende o fim do corporativismo sindical. Mais especificamente, o fim da unicidade sindical e do imposto sindical obrigatório. Qual é o futuro do sindicalismo brasileiro? Vai ficar parecido com o dos EUA?
Gacek -
Muitos dos princípios básicos do sindicalismo americano são compatíveis com as convenções da OIT (Organização Internacional do Trabalho) sobre liberdade de associação e negociação coletiva - que, aliás, os EUA não ratificaram.

O problema é que, na prática, a aplicação da nossa legislação tem sido um pesadelo para o processo de sindicalização. Tem favorecido e maximizado a interferência empresarial no processo, com o governo garantindo legalmente esse ambiente. Se o sistema brasileiro pudesse chegar mais aos princípios da pluralidade e da independência sindicais do movimento americano, muito bem.

Mas não desejo que se aproxime da prática americana.
Marcio Aith é correspondente da Folha em Washington. Escreve para a Folha Online às segundas

E-mail: maith@uol.com.br

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