Pensata

Marcio Aith

30/12/2002

Mídia não sabe como tratar Eva

Eva, o bebê supostamente clonado, deve chegar hoje aos Estados Unidos. Pobre criança, carrega em suas células a prova de um dos mais arriscados feitos científicos ou de uma das fraudes mais maravilhosas da história.

Sem meios de comprovar a veracidade do anúncio, a imprensa mundial não sabe como tratá-lo. Há uma visível vontade de denunciá-lo como devaneio, como uma fraude promovida por uma seita maluca _ como já o fizeram vários especialistas.

No entanto, receosos de que o bebê seja de fato um clone, a mídia tenta controlar-se, como uma estratégia para garantir futuras entrevistas com a mãe e imagens da criança.

Sem confirmação, ficamos com o enredo, completamente maluco. A Clonaid, empresa que supostamente clonou Eva a partir da célula da pele de sua mãe, pertence ao movimento raeliano, seita fundada em 1975 pelo ex-jornalista esportivo francês Claude Vorilhon _ um sujeito de aparência bizarra que se autodenomina Rael.

Vorilhon diz ter virado um messias depois de ter sido abduzido por extraterrestres na década de 70. Rael, como insiste em ser chamado, tem a missão de construir uma "embaixada" na Terra para receber seus "sequestradores".

Ele prega que a humanidade pode atingir a imortalidade por meio da clonagem. Além disso, professa a "meditação sensual", atividade que "permite aos praticantes alcançar o orgasmo cósmico".

Eu vi uma de suas seguidoras _ Brigitte Boisselier_ depor numa comissão do Congresso americano em março de 2001. Levarei para sempre a memória dessa sessão. Parlamentares com ternos cortados e olhar atento ouviam histórias sobre ETs, abdução e a obtenção de imortalidade via clonagem.
Espero com ansiedade o desdobramento dessa história.

A FDA (Administração de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos) quer fazer testes para saber se a clonagem foi de fato realizada. O Vaticano qualificou o anúncio de produto de uma "mentalidade brutal, privada de qualquer consideração ética e humana".

O presidente W. Bush vai pressionar o Congresso para aprovar um projeto de lei que proíbe qualquer tipo de clonagem humana. Se Eva for um clone, a humanidade terá ingressado numa nova etapa, perigosa e sensacional. Se Eva for um bebê como outro qualquer, terá sido uma das fraudes mais engraçadas e mobilizadoras da história.
Marcio Aith é correspondente da Folha em Washington. Escreve para a Folha Online às segundas

E-mail: maith@uol.com.br

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