Pensata

Marcio Aith

13/01/2003

Crise venezuelana esfria namoro Lula-Bush


Tudo caminhava para um namoro. O esquerdista Lula encontrou-se com o direitista Bush no dia 10 de dezembro passado, "rolou uma química entre eles", combinaram reunião de cúpula e prometeram uma nova e virtuosa relação bilateral. Diplomatas exalavam felicidade. Com a aproximação, Lula ganhou projeção e credenciou-se a ser peça influente no xadrez hemisférico. Já Bush pôde exibir solidariedade com a América Latina e preocupação com temas como a fome, raros em sua agenda dominada por temas militares.

Mas a intimidade esfriou no dia 20 de dezembro passado, dez dias depois, sem qualquer meio de comunicação tivesse percebido. O problema nasceu da visita do então emissário especial de Lula à Venezuela, Marco Aurélio Garcia, hoje assessor do presidente brasileiro para assuntos internacionais.

Chávez solicitou a Garcia que o governo tentasse organizar uma espécie de "clube de amigos da Venezuela" para ajudar a romper o impasse em que o país está mergulhado. Ao sair do encontro com o presidente venezuelano, Garcia relatou a conversa aos enviados especiais brasileiros em Caracas _ entre eles o colunista Clóvis Rossi, da Folha de S.Paulo_ de uma forma que gelou diplomatas americanos na Venezuela, no Brasil e no Departamento de Estado, em Washington.

Segundo relato de Rossi, Garcia disse que "está surgindo uma nova correlação de forças na região, com a ascensão de Lula e do equatoriano Lucio Gutiérrez, com a eventual manutenção de Chávez no poder e mais, talvez, o novo presidente argentino.". Para o petista, "não seria uma configuração antiamericana, mas também não é de alinhamento automático e cego."

Somadas às nomeações de Samuel Pinheiro Guimarães para a secretaria-geral do Itamaraty e de José Bustani para a embaixada do Brasil em Londres, as declarações de Garcia fizeram os americanos indagar o que se passa pela cabeça de Lula. Guimarães é declaradamente antiAlca. Bustani teve uma querela mundial com a equipe de Bush ao ser expulso da Opaq (Organização para Proibição de Armas Químicas).

Para compensar essas ações, a cúpula do Itamaraty (propensa à composição e doida para fazer as pazes seja qual for a situação) prometeu aos diplomatas americanos que a mensagem real de Lula fora aquela depositada pessoalmente por ele na Casa Branca, no encontro presidencial, e não os sinais vindos de Garcia, de Guimarães e de Bustani.

O problema é que, agora, os americanos estão em dúvida. Dizem que há duplo comando na política externa brasileira e, movidos pela famosa visão maniqueísta de mundo, querem saber se quem manda na cabeça do presidente brasileiro são os "good guys" ou os "bad guys". Nesse meio tempo, o Itamaraty quer livrar-se de Garcia, ou fazê-lo ficar quieto. Os próximos meses serão interessantes...
Marcio Aith é correspondente da Folha em Washington. Escreve para a Folha Online às segundas

E-mail: maith@uol.com.br

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