Pensata

Marcio Aith

17/02/2003

A visão americana da liberdade de imprensa

Para quem mora nos EUA e depende de redes abertas de TV e de canais locais de notícias por assinatura para informar-se, as imensas manifestações antiguerra no mundo não foram o fato mais importante do final de semana.

Uma gama de outras notícias - como a tempestade de neve que cobriu o nordeste do país e a libertação de um assassino galã (o "preppie killer") depois de cumprir pena de 15 anos - dominaram os telejornais.

Nem mesmo na cobertura sobre a crise do Iraque os protestos se sobressaíram. As emissoras preferiram dedicar-se à já corriqueira atividade de aterrorizar a população com alertas de um novo ataque terrorista.

A "Fox News", escancaradamente pró-Bush, também investiu pesado no fato de o primeiro-ministro do Iraque, Tariq Aziz, ter-se negado a responder pergunta de um jornalista israelense durante entrevista coletiva em Roma.

Segundo a Fox, o fato comprova o hábito com o qual a ditadura de Sadam Hussein busca sistematicamente esmagar o dissenso e a liberdade de expressão não só dentro do país como fora.

No domingo, pequena matéria do Washington Post trouxe um fato que, oportunamente "esquecido" pela Fox, explica não somente a motivação editorial da rede como também a importância do controle da mídia em tempos de guerra.

A matéria informa que a administração Bush determinou a expulsão de um jornalista iraquiano que trabalha há dois anos como correspondente da rede oficial de notícias de seu país na sede das Nações Unidas.

Segundo o governo Bush, Mohammed Allawi, 38 anos, envolveu-se em atividades consideradas "danosas" para a segurança dos EUA. O governo americano não quis divulgar a natureza dessas atividades. Allawi alega ter sido expulso depois de negar-se a espionar para o governo americano.

Em represália à expulsão de Allawi, a ditadura Hussein retaliou mandando embora de Bagdá o enviado especial da Fox, Greg Palkot, um dos diversos jornalistas americanos no Iraque.

Os três fatos _ o tratamento dado por Azis ao repórter israelense, a expulsão do correspondente iraquiano em Nova York e a retaliação sobre a Fox_ mostram um quadro preocupante.

Negar a repressão de Hussein sobre os meios de comunicação é tapar os olhos com a peneira. No entanto, é "iraquiana" a forma com a qual a mídia americana, com sua coesão voluntária, tem tratado os abusos da Casa Branca.

A expulsão do jornalista iraquiano é inquietante. Ele trabalhava dentro das Nações Unidas, sede de debates vitais para a população de seu país e instância política que recebe inimigos dos EUA como Fidel Castro.

O tratamento mais preocupante é o da CNN, que, ao dar tratamento diferenciado às suas versões internacional e doméstica, consegue exibir pluralismo para seus consumidores no mundo e "oficialismo patriótico" aos americanos.

No sábado, enquanto a edição internacional mostrava as manifestações antiguerra no mundo, a CNN local repetia matérias sobre as ramificações da Al Qaeda no mundo e os riscos de um novo ataque terrorista em solo americano.

Felizmente, os jornais impressos_ mesmo os declaradamente pró-guerra, como o "Post"_ deram enorme destaque às manifestações de sábado em suas edições dominicais.

Em setembro passado, quando os primeiros protestos pacifistas ocorreram nos EUA, os principais jornais americanos os "esqueceram", levando broncas de seus "ombudsmen" e de alguns leitores _ os que ainda se preocupam com isso nos EUA.
Marcio Aith é correspondente da Folha em Washington. Escreve para a Folha Online às segundas

E-mail: maith@uol.com.br

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