Vaguinaldo Marinheiro
15/04/2001
Mas que filme é esse que irrita tanto as mulheres? É "DR. T e as Mulheres", a nova comédia de Robert Altman.
Para quem ainda não viu, lá vai a história. Doutor Travis (Richard Gere) é um ginecologista de Dalas (Texas) que vive cercado de mulheres. No consultório, por razões óbvias, e em casa. É casado, tem duas filhas e ainda hospeda a cunhada e suas filhas.
Todas têm algum tipo de problema. A mulher é psicótica. A cunhada é alcoólatra. Uma das filhas só pensa no casamento e em conseguir ser a líder de torcida (aquelas que dançam com pompons nos intervalos dos jogos). A outra acredita em qualquer teoria conspiratória para o assassinato de Kennedy. Já as clientes de seu consultório são todas hipocondríacas e carentes.
Além disso, todas são fúteis e usam roupas extravagantes e cheias de plumas.
Por esse resumo pode parecer que as mulheres têm razão nas críticas e em dizer que são tratadas no filme de forma estereotipada. Mas há pontos a favor de Altman. Um, o filme se passa em Dallas, a cidade que é um monumento ao exagero, com seus edifícios de vidro e pessoas com muito dinheiro e pouco refinamento. Quem não conhece a cidade pôde ter uma idéia com aquela novela, "Dallas", com os JRs, as Suelens e as Victorias Principal.
Segundo, também os homens do filme são tontos. Quando aparecem estão em busca da própria masculinidade em atividades como tiro ou caça ao pato.
Três, esse filme é uma comédia, e uma das formas de buscar o riso é por meio do exagero, da caricatura.
Além disso, Altman é um conhecido iconoclasta, sempre pronto a mirar sua câmara para as falhas humanas, seja quando foca o exército ("Mash"), o mundo do cinema ("O Jogador") ou a moda ("Prêt-à-Porter").
Se tudo isso é sabido, por que o ódio ao filme? Será que é porque as pessoas vão esperando ver mais uma comédia romântica estrelada por um galã de meia idade?
Talvez, mas isso explicaria o não gostar do filme, não a irritação.
Para não ser acusado eu também de generalista, machista e misógino, não vou buscar explicações de por que muitas mulheres se irritam com o filme. Mas, sobre o grupo específico do Astor, no sábado à noite, dá para supor uma razão. Ao menos na aparência, elas se pareciam muito com as retratadas no filme. E tem aquela história, é sempre ruim se ver refletido no espelho.
PS: É um absurdo que os proprietários do Cine Astor deixem o cinema naquele estado. O ar-condicionado não funciona, quase todas as cadeiras estão quebradas e rasgadas e não limpam a sala entre uma sessão e outra. Isso num dos mais legais cinemas de São Paulo e que fica no Conjunto Nacional, na avenida Paulista. Apesar das condições de pulgueiro, o preço é o normal, cobrado em qualquer cinema em boas condições.
ENQUETE:
Na semana passada eu propus uma questão: Devemos comemorar os dados do IBGE, que mostram melhorias nas condições sociais no Brasil, como redução no número de analfabetos e aumento da expectativa de vida, ou devemos lastimar que esses avanços estejam ocorrendo de forma muito lenta e que a distribuição de renda não melhorou nada em uma década.
Apenas um e-mail dizia que devemos comemorar, como quer o governo federal. E veio sem assinatura.
É claro que não se trata de uma pesquisa com valor científico, uma vez que só responderam os que leram o artigo da semana passada e, entre esses, só aqueles que se dispuseram a enviar um e-mail. Mesmo sem conclusões científicas, segue abaixo o que pensam algumas das pessoas que responderam à enquete.
1- "Não acho que haja motivos para comemoração. Não sei se é impressão minha, mas, em relação ao analfabetismo, tenho achado a população mais ignorante do que nunca! Tenho visto pessoas, às vezes até com nível superior, completamente alienadas e ignorantes."
Daniela de Conti
2- "O país só poderá ser considerado decente quando acabar com a miséria.
Podem existir pobres (normal, uns têm mais, outros têm que ter menos), mas não miseráveis. O resto é conversa fiada, manipulações de números."
Virgílio de Carvalho dos Anjos.
3- "Enquanto não houver uma política publica de defesa da educação, saúde, segurança publica e de outros itens que são direitos de todos por lei, veremos mais índices cruéis. Mas a esperança é que um dia melhore e a renda nacional seja dividida com um pouco mais de dignidade."
Adelson Silva da Costa
4- "É irracional supor que um governante, e apenas ele, venha resolver todos ou em parte os problemas de uma país. Mas o que me deixa descrente é o espírito da coisa. Errar é humano e somente erra quem tenta fazer alguma coisa. Todavia, a predisposição em acertar vale no mínimo 99%, pois dela descendem a inteligência, a perseverança e a busca de conhecimentos suficientes para pôr por terra qualquer problema. E isso eu não percebo na sociedade brasileira, em especial na cabeça _as elites."
José de Almeida Bispo
5- "É claro que não estou contente com tanta coisa por ser feita em nosso país. Sejamos pragmáticos, a mídia se mostra no mínimo tendenciosa ou estratégica em divulgar somente as coisas ruins e pedir que a gente opine sobre. Ora vamos ser mais solidários, por que a mídia não pesquisa e mostra modelos para os pontos fracos que tanto enfatizam. Me sinto de saco cheio em não encontrar no nosso meio jornalístico uma colaboração de fato para podermos melhorar estes números que tanto valorizam."
Auro Nomizo
6- "Que a desigualdade na distribuição de renda tenha permanecido a mesma só mostra como estamos no pior dos mundos, na medida em que se constata que a produção de riquezas no país cresceu. Mas o benefício disto não é para os brasileiros. E o governo pouco caso faz disso; incentiva, aliás, a entrega de nosso patrimônio."
Pedro Lima Vasconcellos
7- "Enquanto o Brasil continuar tendo os mesmos índices de concentração de renda e de miséria, é engodo comemorar índices sociais, que parecem ainda muito distantes da realidade miserável e analfabeta que nos bate à cara na rua, em todos os lugares.
O Brasil tem muito porque lutar ainda, não chegou a hora de comemorar nada no tocante às questões sociais."
Patrícia Chagas
8- "Quando se fala da queda do analfabetismo presume-se crianças aprendendo (adquirindo conhecimentos), o que está acontecendo está longe disso, em vez, o ensino está voltado somente para as estatísticas. Você sabia que os aluno não podem ser reprovados? Que existe um esforço sobre humano para fazer passar de ano, mesmo sem saber de nada? O que estão fazendo com o ensino é um crime. Vamos ter excelentes estatísticas e uma grande multidão de analfa/letrados."
Augusto Pinheiro
9 - "Entendo que os índices que realmente indicam melhoria no quadro social do Brasil estão muito longe do que sonhamos. O que mais chama a atenção é a dificuldade dos governantes em transformar essa realidade de forma eficiente e eficaz, contrastando com a "eficiência" e "eficácia" com que operaram as tais reformas, privatizações, supressão de direitos e etc. Não é interessante?"
Paulo Luiz Martins
10- "Com certeza comemorar. Temos que deixar a mania do 8 ou 80. Vamos de 44. Pelo que li não houve piora em nenhum dos itens pesquisados. O que há, é elementar, muita coisa ainda a ser feita, e, isto é ótimo. Já pensou se não tivéssemos mais nada para nos preocupar, que saco seria a vida?"
Essa foi enviada sem assinatura
O filme que irrita as mulheres
Sábado à noite, cine Astor, um dos maiores de São Paulo. Acaba a sessão e em vez dos comentários habituais (a fotografia é linda! Você viu aquela tomada? Gostei/não gostei) se ouve um grupo de mulheres exaltadas. "Nunca fiquei tão estressada num filme." "Ele não entende nada da psicologia feminina." "Esse diretor é machista, misógino." "Retrata todas as mulheres de forma estereotipada" "É horrível." Outras mulheres se juntam ao grupo para concordar com as críticas.Mas que filme é esse que irrita tanto as mulheres? É "DR. T e as Mulheres", a nova comédia de Robert Altman.
Para quem ainda não viu, lá vai a história. Doutor Travis (Richard Gere) é um ginecologista de Dalas (Texas) que vive cercado de mulheres. No consultório, por razões óbvias, e em casa. É casado, tem duas filhas e ainda hospeda a cunhada e suas filhas.
Todas têm algum tipo de problema. A mulher é psicótica. A cunhada é alcoólatra. Uma das filhas só pensa no casamento e em conseguir ser a líder de torcida (aquelas que dançam com pompons nos intervalos dos jogos). A outra acredita em qualquer teoria conspiratória para o assassinato de Kennedy. Já as clientes de seu consultório são todas hipocondríacas e carentes.
Além disso, todas são fúteis e usam roupas extravagantes e cheias de plumas.
Por esse resumo pode parecer que as mulheres têm razão nas críticas e em dizer que são tratadas no filme de forma estereotipada. Mas há pontos a favor de Altman. Um, o filme se passa em Dallas, a cidade que é um monumento ao exagero, com seus edifícios de vidro e pessoas com muito dinheiro e pouco refinamento. Quem não conhece a cidade pôde ter uma idéia com aquela novela, "Dallas", com os JRs, as Suelens e as Victorias Principal.
Segundo, também os homens do filme são tontos. Quando aparecem estão em busca da própria masculinidade em atividades como tiro ou caça ao pato.
Três, esse filme é uma comédia, e uma das formas de buscar o riso é por meio do exagero, da caricatura.
Além disso, Altman é um conhecido iconoclasta, sempre pronto a mirar sua câmara para as falhas humanas, seja quando foca o exército ("Mash"), o mundo do cinema ("O Jogador") ou a moda ("Prêt-à-Porter").
Se tudo isso é sabido, por que o ódio ao filme? Será que é porque as pessoas vão esperando ver mais uma comédia romântica estrelada por um galã de meia idade?
Talvez, mas isso explicaria o não gostar do filme, não a irritação.
Para não ser acusado eu também de generalista, machista e misógino, não vou buscar explicações de por que muitas mulheres se irritam com o filme. Mas, sobre o grupo específico do Astor, no sábado à noite, dá para supor uma razão. Ao menos na aparência, elas se pareciam muito com as retratadas no filme. E tem aquela história, é sempre ruim se ver refletido no espelho.
PS: É um absurdo que os proprietários do Cine Astor deixem o cinema naquele estado. O ar-condicionado não funciona, quase todas as cadeiras estão quebradas e rasgadas e não limpam a sala entre uma sessão e outra. Isso num dos mais legais cinemas de São Paulo e que fica no Conjunto Nacional, na avenida Paulista. Apesar das condições de pulgueiro, o preço é o normal, cobrado em qualquer cinema em boas condições.
ENQUETE:
Na semana passada eu propus uma questão: Devemos comemorar os dados do IBGE, que mostram melhorias nas condições sociais no Brasil, como redução no número de analfabetos e aumento da expectativa de vida, ou devemos lastimar que esses avanços estejam ocorrendo de forma muito lenta e que a distribuição de renda não melhorou nada em uma década.
Apenas um e-mail dizia que devemos comemorar, como quer o governo federal. E veio sem assinatura.
É claro que não se trata de uma pesquisa com valor científico, uma vez que só responderam os que leram o artigo da semana passada e, entre esses, só aqueles que se dispuseram a enviar um e-mail. Mesmo sem conclusões científicas, segue abaixo o que pensam algumas das pessoas que responderam à enquete.
1- "Não acho que haja motivos para comemoração. Não sei se é impressão minha, mas, em relação ao analfabetismo, tenho achado a população mais ignorante do que nunca! Tenho visto pessoas, às vezes até com nível superior, completamente alienadas e ignorantes."
Daniela de Conti
2- "O país só poderá ser considerado decente quando acabar com a miséria.
Podem existir pobres (normal, uns têm mais, outros têm que ter menos), mas não miseráveis. O resto é conversa fiada, manipulações de números."
Virgílio de Carvalho dos Anjos.
3- "Enquanto não houver uma política publica de defesa da educação, saúde, segurança publica e de outros itens que são direitos de todos por lei, veremos mais índices cruéis. Mas a esperança é que um dia melhore e a renda nacional seja dividida com um pouco mais de dignidade."
Adelson Silva da Costa
4- "É irracional supor que um governante, e apenas ele, venha resolver todos ou em parte os problemas de uma país. Mas o que me deixa descrente é o espírito da coisa. Errar é humano e somente erra quem tenta fazer alguma coisa. Todavia, a predisposição em acertar vale no mínimo 99%, pois dela descendem a inteligência, a perseverança e a busca de conhecimentos suficientes para pôr por terra qualquer problema. E isso eu não percebo na sociedade brasileira, em especial na cabeça _as elites."
José de Almeida Bispo
5- "É claro que não estou contente com tanta coisa por ser feita em nosso país. Sejamos pragmáticos, a mídia se mostra no mínimo tendenciosa ou estratégica em divulgar somente as coisas ruins e pedir que a gente opine sobre. Ora vamos ser mais solidários, por que a mídia não pesquisa e mostra modelos para os pontos fracos que tanto enfatizam. Me sinto de saco cheio em não encontrar no nosso meio jornalístico uma colaboração de fato para podermos melhorar estes números que tanto valorizam."
Auro Nomizo
6- "Que a desigualdade na distribuição de renda tenha permanecido a mesma só mostra como estamos no pior dos mundos, na medida em que se constata que a produção de riquezas no país cresceu. Mas o benefício disto não é para os brasileiros. E o governo pouco caso faz disso; incentiva, aliás, a entrega de nosso patrimônio."
Pedro Lima Vasconcellos
7- "Enquanto o Brasil continuar tendo os mesmos índices de concentração de renda e de miséria, é engodo comemorar índices sociais, que parecem ainda muito distantes da realidade miserável e analfabeta que nos bate à cara na rua, em todos os lugares.
O Brasil tem muito porque lutar ainda, não chegou a hora de comemorar nada no tocante às questões sociais."
Patrícia Chagas
8- "Quando se fala da queda do analfabetismo presume-se crianças aprendendo (adquirindo conhecimentos), o que está acontecendo está longe disso, em vez, o ensino está voltado somente para as estatísticas. Você sabia que os aluno não podem ser reprovados? Que existe um esforço sobre humano para fazer passar de ano, mesmo sem saber de nada? O que estão fazendo com o ensino é um crime. Vamos ter excelentes estatísticas e uma grande multidão de analfa/letrados."
Augusto Pinheiro
9 - "Entendo que os índices que realmente indicam melhoria no quadro social do Brasil estão muito longe do que sonhamos. O que mais chama a atenção é a dificuldade dos governantes em transformar essa realidade de forma eficiente e eficaz, contrastando com a "eficiência" e "eficácia" com que operaram as tais reformas, privatizações, supressão de direitos e etc. Não é interessante?"
Paulo Luiz Martins
10- "Com certeza comemorar. Temos que deixar a mania do 8 ou 80. Vamos de 44. Pelo que li não houve piora em nenhum dos itens pesquisados. O que há, é elementar, muita coisa ainda a ser feita, e, isto é ótimo. Já pensou se não tivéssemos mais nada para nos preocupar, que saco seria a vida?"
Essa foi enviada sem assinatura
Vaguinaldo Marinheiro é secretário-assistente de Redação da Folha de S.Paulo. Escreve para a Folha Online aos domingos E-mail: vaguinaldo.marinheiro@folha.com.br |