Pensata

Vaguinaldo Marinheiro

06/05/2001

Futurologia depois do circo/acareação no Senado

É um perigo fazer futurologia em política. Principalmente no Brasil, ela não é movida por lógica e os ventos que sopram hoje de um lado passam a agir de uma outra maneira amanhã, uma vez que há troca de favores, rabos presos etc.

Mas estou deixando a companhia dos otimistas que acreditam numa saída digna para o caso de quebra de sigilo de votação no Senado. Ou seja, não acredito mais em cassação ou renúncia de Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) ou José Roberto Arruda (sem partido-DF).

Depois da acareação, do pedido de adiamento para a entrega do relatório sobre o caso, da ofensiva publicitária de ACM e da trégua ACM-Jader, começo a achar que não será desta vez que vamos ter um avanço ético na Câmara Alta da República.

Antes, ainda acreditava que pelo menos um sairia do Senado. José Roberto Arruda não aguentaria as pressões e renunciaria. Com uma vítima para exibir à opinião pública, os senadores aplicariam então uma pena mais branda contra ACM, como uma suspensão do mandato. Mas agora, nem nisso.

Afinal, por que Arruda renunciaria? O que ele ganharia? Se continuar firme, ganha o lastro de ACM. Porque é pouco provável que os senadores resolvam ser ainda mais descarados e aplicar penas diferentes contra os dois. E cassar ACM é muito mais difícil que cassar Arruda. O PFL tem quatro membros no Conselho de Ética (entre eles o pittbull Waldeck Ornélas, que ladra a qualquer investida contra ACM). Além do fato de o ex-presidente do Senado intimidar muitos outros com seus segredos, dossiês e amigos.

Arruda também não tem muito a ganhar preservando seus direitos políticos com uma renúncia. Se sair agora do Senado, sai também da vida pública, porque já é difícil imaginar como tenha chegado tão longe com seu carisma neutro. Com mais essa nódoa no passado então... Vai tentar o que, ser deputado distrital? É futurologia de novo, mas acho que nem isso consegue.

Já ACM vai colecionando vitórias aqui e ali. Seu nome ocupou quanto da acareação, 10%? O resto do tempo foi tomado por Arruda e Regina Borges, enquanto ele mantinha seu perfil calmo à custa de calmantes.

Agora ganha de novo com o adiamento do relatório do processo, que deve empurrar a solução do caso para depois do recesso de julho. Com isso, arrefece a pressão da opinião pública, que até lá deve ter a atenção atraída por outro escândalo, e ele ganha tempo para fazer acordos.

É triste, mas temo que aconteça em Brasília o que aconteceu na Câmara Municipal de São Paulo com o escândalo das Administrações Regionais. Muitos imaginavam que a Câmara faria uma depuração, uma vez que abundavam provas de irregularidades contra vários vereadores. Mas Maria Helena e José Izar conseguiram se safar. Ele, com aquele famoso discurso em que dizia ter os vereadores na palma da mão. Será que ACM fará o mesmo?

PS: O caso da quebra de sigilo já teve ao menos um efeito colateral positivo: mostrar quem são os senadores brasileiros. Antes desses depoimentos e acareações, que foram campeões de audiência nas TVs, quantos não-jornalistas conseguiam nominar mais de dez senadores?

Em meio a muitos que não têm o que falar e pegam o microfone apenas para aparecer na TV, ganhou fama um que de fato tem foco: Jefferson Péres (PDT-AM). Foi a único a fazer perguntas incisivas e a colocar os depoentes contra a parede. Também era o único capaz de fechar um raciocínio diante das muitas evasivas dos acareados. E pensar que ele podia ter ganho a eleição para presidente do Senado e estar agora no lugar de Jader Barbalho.
Vaguinaldo Marinheiro é secretário-assistente de Redação da Folha de S.Paulo. Escreve para a Folha Online aos domingos

E-mail: vaguinaldo.marinheiro@folha.com.br

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