Pensata

Vaguinaldo Marinheiro

20/05/2001

Faça o que FHC quer, apague a luz, acenda uma vela e reze para são Pedro

Fosse este um diário oficial da União, este artigo diria que o governo venceu a primeira batalha da energia elétrica e conseguiu afastar o risco do apagão no país.

Poderia também afirmar que o governo fez um esforço incrível e que as classes pobres vão pagar menos na conta de energia elétrica se pouparem.

Ainda daria para escrever que a culpa de tudo o que está acontecendo é de são Pedro, afinal, quem é o responsável pela falta de chuva e pela redução do nível dos reservatórios no Sudeste brasileiro?

Ainda bem que não é preciso escrever mentiras nos órgãos de mídia não oficiais. Porque por mais que pronunciamentos e entrevistas coletivas tentem obscurecer a realidade, o que aconteceu é que o governo não afastou o risco dos apagões. Apenas colocou a responsabilidade sobre eles na sociedade. Ou todos poupam energia até o final de junho ou vamos mesmo ficar no escuro.

O problema não está em pedir colaboração e racionamento à sociedade. Há de fato desperdícios no país, sejam de água, sejam de luz. Parece até piada que só agora, quando o apagão bate à porta, shopping centers pensem em trocar lâmpadas e utilizar as mais econômicas, decidam desligar alguns elevadores e escadas rolantes quando há menos movimento e reduzam o ar-condicionado! Essas deveriam ser medidas tomadas sempre.

Mas o que o "ministério do apagão" apresentou como solução para o problema na sexta-feira foi muito diferente de um pedido de ajuda à sociedade. O governo embutiu um aumento no preço da energia (de até 200%) e resolveu punir mesmo aqueles que façam economia. Além disso, há o arbitrário corte de energia daqueles que paguem a conta em dia, mas não reduzam o consumo no exato índice que o governo quer (20%).

O exemplo de uma família de quatro pessoas que consuma 400 kWh/mês mostra que se o consumo for reduzido em 10% essa família vai pagar 10% a mais na conta de luz e ainda ter o fornecimento de energia cortado por três dias.

Não é incrível! A pessoa tenta colaborar, reduz o consumo o quanto pode, mas paga mais no final do mês e fica no escuro. Que estranha maneira de agradecer pela colaboração!

Claro que virão alguns dizendo que foi tomada a melhor decisão. Que racionamento é melhor para o país que apagões etc. etc. É verdade e todos vão concordar, mas por que o tarifaço? Por que não conceder às pessoas uma redução no preço equivalente à economia? Para isso, até agora o governo e seu ministério do "apagão" não apresentaram respostas.

Por fim vemos o presidente na TV pedindo o esforço dos brasileiros e novamente culpando são Pedro, afinal, diz ele, não houve falta de investimento, mas de chuvas.

Pois acredite se quiser, foi o santo que não investiu o suficiente para criar linhas de transmissão que trouxessem energia de onde não falta (região Sul, por exemplo) para locais com escassez (Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste). Também foi o santo que decidiu basear o sistema energético do país apenas em hidrelétricas. E foi o dono das chaves do céu, mais uma vez, que ignorou avisos de que a situação era precária e não adotou medidas mais amenas antes da iminência do caos em que vivemos.

Tudo bem senhor presidente, vamos atender seu pedido: a gente apaga as luzes para economizar e aproveita as velas para rezar para o santo fazer chover.

Só vamos estar repetindo a história. É nos momentos de trevas que florescem as crendices.
Vaguinaldo Marinheiro é secretário-assistente de Redação da Folha de S.Paulo. Escreve para a Folha Online aos domingos

E-mail: vaguinaldo.marinheiro@folha.com.br

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