Pensata

Vaguinaldo Marinheiro

27/05/2001

Os sapos enterrados no Brasil, a "leviandade" da imprensa e a amoralidade necessária

Num almoço recente, um famoso jornalista comentou que deve haver um sapo enterrado no Brasil. Toda vez que o país parece melhorar, disse ele, surge uma nova crise.

Falava do apagão, mas poderiam ser as crises na Argentina ou nos Estados Unidos, mais uma proposta de CPI ou qualquer outra coisa que derrube as bolsas, faça o dólar subir e afugente investimentos internacionais.

Outros mais catastrofistas lembrariam também que quase tudo coloca em risco a frágil e jovem democracia brasileira.

Mas será que essa vulnerabilidade (certamente mais econômica que política) basta para exigir um cala-boca de qualquer oposicionista? Para "censurar" a imprensa? Para satanizar manifestações contrárias?

Para alguns, sim. O presidente Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, esbravejou na quarta-feira para Tereza Cruvinel, colunista de "O Globo", que a "leviandade da imprensa e o golpismo sem armas da oposição estão criando um clima de fascismo e terror insuportável". E que o país e a democracia, com a corda já muito esticada, podem não suportar esse clima.

Mais adiante, na mesma entrevista, FHC pergunta: "Acham que a democracia resistirá até onde? Até onde querem levar o povo a descrer das instituições? A luz amarela está acendendo. Se a eleição ocorrer nesse clima, quem vai segurar o país? Quem segura o mercado?"

Quem tiver sentido um eco daquela declaração de Mário Amato, então presidente da Fiesp, que em 1989 disse que se Lula ganhasse a eleição 800 mil empresários deixariam o país, não estará delirando.

Também foi na mesma linha o artigo do filósofo José Arthur Giannotti (não por acaso amigo de FHC) publicado na Folha uma semana antes.

No caudaloso texto, Giannotti afirma que a imprensa atrapalha a democracia ao dar destaque para atos que carregam uma certa "dose de amoralidade". Amoralidade que, segundo ele, seria essencial ao jogo político. Escreve o filósofo: "(a imprensa) deixa de ser democrática quando recusa ao fato político sua necessária aura de amoralidade".

Cabem reparos a essas colocações.

Primeiro, qualquer pessoa sensata concorda que a imprensa não pode mesmo ser leviana. Mas esse julgamento não cabe ao presidente, e sim aos leitores. São eles que vão abandonar qualquer meio de comunicação se ele insistir em divulgar denúncias sem fundamentos ou dar espaços para aqueles que apenas querem "desestabilizar o governo".

Por outro lado, os meios de comunicação não estão aí apenas para publicar aquilo que interessa ou é bom para o governante, porque isso não seria imprensa livre, mas diário oficial.

Já sobre a necessária "amoralidade da política", vale perguntar a Giannotti se essa "amoralidade" só vale para aquele que está no poder e quer se manter nele ou também para seus opositores. E aí, só para embaralhar os casos, também entraria nessa zona amoral aceitável a justificativa de ACM de que foi para preservar a instituição que não tomou nenhuma providência ao saber que o painel do Senado havia sido violado?

Ou, para resumir, o que diferencia uma amoralidade aceitável de uma condenável? Será a proximidade com o praticante ou com a idéia que ele defende?

O Brasil é sim vulnerável. Como a maioria dos países em desenvolvimento, depende demais de capital externo, que foge para outro mercado emergente assim que encontra qualquer adversidade.

Mas isso não pode ser justificativa para querer da opinião pública, da imprensa, dos partidos um comportamento de "yes man" ou "sim buana".

A vulnerabilidade do Brasil (seja política, seja econômica) também não pode ser justificativa para "amoralidades". Porque um excesso dessas amoralidades também pode afugentar capitais e colocar em risco a democracia.

Clique aqui se você quiser ler o artigo de Giannotti.

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Vaguinaldo Marinheiro é secretário-assistente de Redação da Folha de S.Paulo. Escreve para a Folha Online aos domingos

E-mail: vaguinaldo.marinheiro@folha.com.br

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