Pensata

Vaguinaldo Marinheiro

24/06/2001

O argentino é antes de tudo um crente

"_ O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
_ Então doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
_ Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino."

A associação é óbvia, mas esses últimos versos do poema "Pneumotórax", de Manuel Bandeira, representam um pouco a situação da Argentina de hoje. Basta substituir o pneumotórax por uma troca dos títulos da dívida (swap), por modificações parciais no sistema de câmbio etc. Nada parece dar muito resultado para a combalida economia argentina. Então, eles seguem tocando o tango e pagando até R$ 5,00 por um cafezinho.

O curioso é que, apesar de uma greve aqui ou de uma manifestação ali, a maioria das pessoas deposita uma confiança muito grande no ministro Domingo Cavallo. Do empresário ao vendedor de flores, eles seguem acreditando que o ministro da economia, que na prática se converteu no real presidente do país, vai resolver essa situação.

Já se disse também que eles não têm muita escolha. Afinal, foi Cavallo quem os colocou nesta situação, quando adotou a paridade peso/dólar durante o governo Carlos Menem, e caberia a ele agora resolver o nó econômico criado por essa paridade artificial.

E às vezes essa confiança toma um ar messiânico. Numa conversa informal com um empresário que está perdendo dinheiro com a crise, ele dizia que as medidas de Cavallo ainda não estão surtindo efeito. E frisou a palavra ainda.

Como bom brasileiro, daqueles que adoram prazos e se desesperam com a falta de luz no final do túnel, perguntei qual era o tempo que o país estaria disposto a dar ao ministro da economia para que apareçam os resultados de suas novas medidas.

Não há prazo, respondeu. As melhoras vão ocorrer e não adianta ficar mudando o comando da economia ou tomar medidas hoje e alterá-las amanhã, completou.

Talvez a psicologia do argentino ajude a explicar um pouco essa crença na solução dos problemas.

Diferentemente dos brasileiros, eles crêem na melhora do país porque querem mesmo que isso aconteça. Porque são orgulhosos de ser argentinos.

Eles assumem um patriotismo que temos vergonha de manifestar. Ao mesmo tempo, declaram o tempo todo amor à cidade de Buenos Aires, seja em letras de música, seja em qualquer conversa.

Além disso, como se acham muito melhores que os demais sul-americanos, não querem ver o país com o mesmo destino dos demais deste subcontinente. Ou seja, com muitos miseráveis pelas ruas.

E isso não é algo negativo. Ao contrário, é o que faz a população continuar a manter o ânimo, a cantar o tango e a frequentar os cafés, mesmo com anos de recessão econômica e pagando os abusivos R$ 5,00 por nada mais que um expresso.
Vaguinaldo Marinheiro é secretário-assistente de Redação da Folha de S.Paulo. Escreve para a Folha Online aos domingos

E-mail: vaguinaldo.marinheiro@folha.com.br

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