Pensata

Vaguinaldo Marinheiro

21/10/2001

Atentados forçam os EUA a fazer parte do mundo

Os americanos vão ter que mudar sua forma de vida. Dessa vez não por causa do medo de novos atentados ou de ataques bacteriológicos. Vão ter de mudar sua maneira de ver o mundo porque agora foram forçados a de novo fazer parte dele.

A razão é que desde o fim da Guerra Fria, os Estados Unidos estavam dando cada vez menos importância para o mundo. Não havia mais o perigo soviético, Cuba (sem o subsídio) voltou a ser uma ilha paradisíaca que no máximo oferece refugiados, e tudo o mais nem interessava.

Da Europa, apenas vinham aqueles personagens esnobes e de sotaque estranho dos seriados de TV (os "eurotrash"). Com relação ao restante das Américas, o Canadá nada mais era do que outro Estado norte-americano (muitos pensavam seriamente assim), o México fornecia empregados domésticos. Daí para baixo... Esqueça.

Essa postura centrada mudou inclusive a forma de fazer jornalismo no país. Redes de TVs e grandes jornais acabaram com cerca de 80% dos postos de correspondentes internacionais e foi reduzido o espaço dedicado a qualquer coisa que acontecesse fora dos EUA.

O "novo-novo jornalismo" apostava no quarteirão. Muito mais importante que qualquer coisa que acontecesse no mundo eram mudanças no parque da esquina, a nova lombada da avenida. As editorias de cidades cresceram e as de mundo minguaram. Até um jornal tradicional e de elite como o "Washington Post" passou a dar mais atenção ao Distrito de Colúmbia que a temas de política nacional ou internacional.

Essa mudança no jornalismo não foi uma decisão de gabinete. Refletia o pouco interesse dos leitores por assuntos do "exterior". Uma pesquisa feita por um centro de estudos sobre jornalismo mostrou que apenas 8% dos americanos prestavam atenção no que acontecia na Bósnia ("era muito longe") e um editor da revista Newsweek disse há dois anos que um assunto internacional na capa fazia a vendagem em banca cair 25%.

Também a eleição de George W. Bush deve ser vista como mais um detalhe desse processo. Bush fala a mesma língua dos americanos, e compartilhava com muitos a ignorância sobre o mundo. Até ser eleito, só havia saído do país três vezes (excluindo viagens ao México) e durante a campanha se equivocou ao designar aqueles que nascem na Grécia.

Além disso, era esse mesmo Bush que defendia a construção do escudo antimísseis, a versão moderna das muralhas medievais que protegeria os Estados Unidos de qualquer ataque externo.

Era também seu governo que insistia em não assinar acordos globais, como o de emissão de poluentes, ou de participar de encontros, como o que discutiu o racismo. Isso eram assuntos gerais, não locais, como o corte de impostos ou a melhora do sistema de saúde, destaques de sua plataforma de governo e que ocupavam sua agenda até aquele 11 de setembro.

Diante desse pensamento insular, não estranha que muitos se perguntassem depois dos atentados do dia 11 de setembro "por que eles nos odeiam tanto?". A resposta, claro, não é tão simples. E talvez a pergunta seja equivocada. Não há apenas um ódio aos Estados Unidos ou um desejo de destruí-lo.

A questão é que, sim, os Estados Unidos estão inseridos no mundo e atacá-los pode fazer parte de uma política de disputa de poder, ainda que regional, como pensam alguns. Segundo essa versão, os ataques do dia 11 gerariam um contra-ataque dos EUA contra um país muçulmano (o que de fato aconteceu). Isso, por sua vez, causaria uma revolta em outros países árabes ou muçulmanos que derrubaria os governos, abrindo espaço para a ascensão de fundamentalistas ao poder.

Ou os ataques seriam a mostra do choque de civilizações, Islã contra o Ocidente, como pensam outros.

Qualquer que seja a razão dos atentados, ou seu desdobramento, seria um exercício irresponsável de futurologia tentar apostar como a sociedade americana irá agir quando arrefecer essa luta contra o terrorismo, ou seja, quando ela deixar a mídia.

Pode ser que passem a acreditar que é preciso conhecer melhor o mundo, mesmo que seja para compreender seus inimigos. Mas pode ser que o resultado seja o inverso: uma tentativa de isolamento ainda maior, o crescimento da xenofobia e do preconceito e a construção de fortalezas intransponíveis.

Se o mundo continuar a existir, veremos.
Vaguinaldo Marinheiro é secretário-assistente de Redação da Folha de S.Paulo. Escreve para a Folha Online aos domingos

E-mail: vaguinaldo.marinheiro@folha.com.br

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