Pensata

Vaguinaldo Marinheiro

28/10/2001

Os alvos errados dos dois lados da guerra

UM LADO

Era para capturar "vivo ou morto" o Bin Laden. Mas são 100 mil crianças, segundo o Unicef, que vão morrer no Afeganistão porque a guerra impede que alimentos e remédios cheguem a elas.

Era para tirar do poder o mulá Omar e seus seguidores do Taleban. Mas são velhos em asilos, pessoas em mesquitas, em hospitais ou em aldeias que são atingidos, e mortos, por bombas que insistem em não seguir para o "alvo correto".

Era para acabar com a rede de terrorismo no mundo. Mas é um país (o Afeganistão) que parece mais próximo do fim. Em guerra interna e contra invasores há vários anos, está virando de vez um punhado de ruínas depois dos bombardeios diários dos norte-americanos.

Era para tirar do governo uma milícia que mantém a população em situação de extrema pobreza. Mas são armazéns da Cruz Vermelha que são atingidos, destruindo o pouco de comida que poderia ser entregue aos famintos.

OUTRO LADO

Era para atingir os Estados Unidos, país que segundo os terroristas viola o berço do Islã. Mas os aviões mataram cerca de 5.000 civis. A maioria nem sequer sabia o que era o Islã, ou que os Estados Unidos mantêm bases militares na Arábia Saudita.

Era para atingir alguém do Congresso americano, que coaduna com a política externa americana. Mas as vítimas do antraz até agora são carteiros, trabalhadores comuns que, como a maioria dos americanos, não se interessavam por política e talvez nem tenham comparecido às urnas para votar nesses congressistas.

Era para atingir o presidente do país mais poderoso do mundo. Mas, justamente por estar nesse cargo, há uma série de anteparos entre ele e qualquer vírus que chegue pelo correio ou por qualquer outro meio. De novo, vão sofrer os funcionários comuns (por enquanto os dos Correios).

Além disso, é o país inteiro que mais sofre com o pânico. Porque o antraz jamais chegará perto de Bush, mas pode estar na carta entregue em casa ou no "mailing" do patrão, que a secretária terá que abrir.

Isso não é nenhuma novidade desta guerra. Do lado militar, sempre ocorrem "os efeitos colaterais" das batalhas, como insistem em dizer autoridades americanos quando precisam admitir mais um erro.

Do lado dos terroristas, pouco importa se as vítimas são inocentes ou não. O importante é divulgar a "causa", fazer barulho.

Mas essa não é a primeira guerra do século 21? Aquela supermoderna, que usa equipamentos bilionários e certeiros? Sim, mas os erros de alvo continuam como no passado. E, sem perspectiva de um final próximo e com os Estados Unidos admitindo que será muito difícil pegar Bin Laden, quantos mais irão morrer?
Vaguinaldo Marinheiro é secretário-assistente de Redação da Folha de S.Paulo. Escreve para a Folha Online aos domingos

E-mail: vaguinaldo.marinheiro@folha.com.br

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