Pensata

Vaguinaldo Marinheiro

25/11/2001

Uns fumam maconha, outros fingem indignação. Muitos mentem

O affair Soninha foi o único na semana a tentar eclipsar o líder de comentários do momento, o programa "Casa dos Artistas". Para quem esteve fora do país no período, um resumo: a foto da apresentadora de televisão e colunista esportiva Sonia Francine apareceu na capa da revista "Época" e em outdoors acompanhada da frase "Eu fumo maconha". Nas páginas internas da revista, uma entrevista na qual ela admitia que fumava às vezes e que era contrária a criminalização do uso da droga.

Em síntese, Soninha disse que tratar o usuário como criminoso causa mais mal que a própria maconha.

Por causa da reportagem da revista, ela foi demitida da TV Cultura, onde mantinha uma programa para adolescentes. Segundo a Cultura, a emissora não poderia "permitir a manifestação pública, por seus funcionários e colaboradores, de práticas atentatórias às leis vigentes no país."

Não é o caso de mais uma vez discutir a atitude da emissora. Há pontos pró e contra a decisão. O mais curioso é o que se seguiu ao ocorrido. Mais uma vez houve grande confusão entre o defender que o consumo de maconha deixe de ser crime e o incentivo para que as pessoas fumem.

No caso de Soninha e de todos os outros entrevistados pela revista, não houve propaganda da droga. Ninguém disse "fume maconha porque é bom". Não havia nada como as velhas publicidades de cigarro ("ao sucesso" ou "o importante é ter charme", por exemplo). Isso sim poderia ser criticado.

O que havia na revista eram depoimentos de pessoas que afirmavam ter uma vida normal, com responsabilidades etc. mesmo sendo usuárias de maconha. A intenção era mostrar que o estereótipo do "maconheiro bandido" é equivocado e com isso discutir se o Brasil deve descriminalizar o uso e passar a tratar o viciado não como criminoso, mas como doente, como já fazem muitos países.

Só que de novo caímos no reducionismo bobo. Alguns óbvios (como cantores de banda de rock) aproveitaram para aparecer apoiando Soninha e admitindo que também fumam. Outros (apresentadoras de televisão) fingiram indignação, porque acharam que isso pega bem com o público (o principal exemplo foi Adriane Galisteu, que repetiu o chavão sempre associado ao assunto: "O próprio nome diz, é droga. Se é droga não serve para ninguém"). Muitos apenas se omitiram ou mentiram dizendo que nunca fumaram.

A questão é que a perpetuação dos preconceitos com relação à maconha de nada adianta. Ela é sim uma droga, como o álcool e o tabaco, que causam mais dependência e são vendidos em qualquer supermercado ou bar. E ninguém se torna um risco para a sociedade se consumir qualquer uma dessas drogas com moderação. Além disso, com o fim do estigma de crime, será mais fácil saber quem fuma, por que fuma e se precisa ou não de tratamento.

Também diminuiria a parte de fato criminal ligada à maconha, que é o tráfico. Como disse um dos entrevistados da revista, se passar a ser permitido, muitos vão plantar a maconha em casa para o próprio consumo.

Lógico que logo virão alguns com outro velho argumento: se o álcool e o cigarro são ruins, que sejam também proibidos. Mas o consumo de qualquer uma dessas substâncias, que podem causar mal apenas para os próprios usuários, deve estar dentro das liberdades individuais. Se alguém quer fumar (seja maconha ou tabaco) ou beber mesmo sabendo que isso aumenta a chance de desenvolver um câncer, o problema é exclusivo dessa pessoa, não do Estado, que tem mais o que fazer que ser tutor dos cidadãos.

Que o Brasil aproveite que o debate foi reaberto para se alinhar ao que está acontecendo no mundo, principalmente na Europa, onde vários países (como França e Inglaterra) estão caminhando para deixar de prender os usuários.

Isso não é incentivar o uso da maconha ou de qualquer outra droga. Mas separar o que de fato é crime do que não passa de um hábito individual.
Vaguinaldo Marinheiro é secretário-assistente de Redação da Folha de S.Paulo. Escreve para a Folha Online aos domingos

E-mail: vaguinaldo.marinheiro@folha.com.br

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