Pensata

Vaguinaldo Marinheiro

02/12/2001

Preconceito e restrições à liberdade renascem com o medo

O medo faz algumas pessoas jogarem fora conceitos humanitários e permitirem que preconceitos aflorem. É isso que explica o apoio dos norte-americanos a algumas medidas do governo e também o crescimento da direita na Europa.

No caso dos Estados Unidos, país que sempre se vangloriou de seus conceitos de liberdade, o medo pós-atentados terroristas fez a maioria da população apoiar principalmente medidas de restrição da liberdade de estrangeiros. Se for árabe ou muçulmano então... Vale tudo, deter sem qualquer prova; escolher pessoas para interrogar baseado apenas na origem étnica; grampear conversas entre acusados e advogados e adotar julgamentos em tribunais de exceção. Pesquisas dos jornais 'Washington Post' e 'USA Today' mostraram durante a semana que os americanos aprovam tudo isso.

O argumento é que esses estrangeiros podem ser terroristas em potencial e atentar contra a segurança dos americanos. Entre o medo e o fim da liberdade, dos outros, optam pelo segundo sem pestanejar.

Já na Europa, a social-democracia dinamarquesa foi obrigada a deixar o poder, após 80 anos, e será substituída por uma coalizão conservadora que prega, entre outras coisas, a limitação da entrada de imigrantes. Vale lembrar que essa foi a primeira eleição no continente desde os atentados de 11 de setembro.

Nesse caso foi o medo dos "perigosos refugiados", que devem ser proibidos de viver entre os verdadeiros dinamarqueses, a razão pelo voto à direita.

E isso não se resume à Dinamarca. Na Alemanha, na Áustria, na França, os partidos de direita (aqueles que pregam o fechamento do continente para a entrada de qualquer imigrante) estão rindo à toa ao ver suas idéias sendo encampadas por uma parte maior da população.

O ultradireitista francês Jean-Marie Le Pen, candidato à Presidência, se entusiasmo ao ver suas intenções de voto crescerem. Em entrevista publicada pela Folha no domingo passado ele afirma que o mundo está vendo a confirmação de suas teses. "O que houve foi a adequação dos eventos com minhas análises precedentes, pois há vários anos eu sublinho a degradação da situação no domínio da segurança, da imigração, do desemprego, da corrupção. Então, quando os eventos vêm e provam a justeza do meu ponto de vista, as pessoas pensam: 'Le Pen tem razão'. No que me concerne, acho que o governo francês deixou entrar muitos estrangeiros nos últimos anos, e o seu grande número, em comparação com os nacionais, permite a formação de grupos específicos e impede a assimilação. Quando essa imigração parte de uma civilização dinâmica, como é o islã hoje, sob os efeitos da pressão demográfica, o fenômeno parece mais uma invasão do que uma integração'', afirmou.

Mas seria equivocado acreditar que esse tipo de comportamento só acontece com a população dos países ricos. Muitas vezes fenômenos parecidos são perceptíveis no Brasil. Quantos ferrenhos críticos da pena de morte passaram a defendê-la após alguém da família ter sido assassinado? Quantos anti-armamentistas não compram uma arma depois de um assaltado?

No caso coletivo (para fazer um paralelo com o exemplo europeu), quantas vezes você ouviu pessoas de São Paulo criticarem que "esses nordestinos vêm para cá apenas para roubar"? E basta que um crime cometido por um migrante repercuta na mídia para essas pessoas se levantarem para 'sugerir' que mandem todos de volta.

Com o passar do tempo, quando o medo diminiu, as pessoas mais sensatas voltam a valorizar a liberdade para todos e a criticar esses arroubos "nazistas". Já os outros, esses engrossam partidos ou grupos preconceituosos até que eles também cometam atos de terror e mostrem sua verdadeira face.
Vaguinaldo Marinheiro é secretário-assistente de Redação da Folha de S.Paulo. Escreve para a Folha Online aos domingos

E-mail: vaguinaldo.marinheiro@folha.com.br

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