Pensata

Vaguinaldo Marinheiro

16/12/2001

A quem serve o vídeo de Bin Laden?

Enfim surgiu um vídeo em que o terrorista Osama Bin Laden aparece deixando claro que sabia de antemão dos atentados aos Estados Unidos e que fez parte de seu planejamento. As repercussões foram antagônicas: comoção e mais ódio nos Estados Unidos; desconfiança explicita e talvez uma alegria dissimulada entre alguns islâmicos.

Quais eram as reais intenções de Bin Laden ao se deixar gravar e do governo George W. Bush ao divulgar o vídeo? E quais as reais consequências?

São perguntas quase impossíveis de responder. Mas se pode especular.

Segundo os EUA, o vídeo foi feito no dia 9 de novembro, pouco mais de um mês depois do início dos bombardeios no Afeganistão (dia 7 de outubro).

Naquele momento já não havia mais dúvidas de quem ganharia a guerra e Bin Laden já sabia que estava com os dias contados. Então ele se deixa gravar dando declarações de como ficou contente quando ouviu que as torres do World Trade Center haviam sido atingidas e de sua alegria ao ver que os ataques superaram suas expectativas em número de mortes. Mesmo um engenheiro como ele não imaginava que todos os andares viriam abaixo. Pensava que apenas aqueles que ficavam acima da parte atingida pelos aviões ruiriam.

O mais provável é que Bin Laden tenha permitido a gravação do vídeo, e que ele tenha sido "deixado/esquecido" numa casa em Jalalabad, justamente para que servisse como sua última propaganda. Aquela alegria de Bin Laden e a convicção em identificar nos Estados Unidos o mal só ajudam a solidificar sua imagem de herói entre os fanáticos. Esses devem exclamar: "veja que homem, conseguiu mostrar a fragilidade dos EUA e ainda zomba deles".

Já que não era mais possível gravar mensagens e enviar para a TV Al Jazeera, como era feito no começo, até porque os Estados Unidos conseguiam censurar a divulgação pelo mundo, o líder da Al Qaeda deve ter pensado em usar o próprio inimigo como divulgador de sua mensagem, conseguindo assim ainda maior alcance.

Do outro lado estão os Estados Unidos. Por que o governo Bush, que não havia revelado à opinião pública nenhuma prova das que afirma ter contra Bin Laden, resolve agora liberar para as televisões de todo o mundo esse vídeo-confissão?

Talvez porque os EUA acreditassem que estavam mesmo muito próximos de pegar o terrorista. Não por acaso, no mesmo dia da liberação do vídeo (quinta-feira, dia 13), fontes do Pentágono diziam à CNN que Bin Laden estava cercado em uma caverna de Tora Bora. Sua captura, afirmavam, ocorreria a qualquer instante.

A estratégia era não deixar dúvidas sobre a autoria dos atentados e causar mesmo um ódio e comoção pelo mundo. Com isso, dar mais argumentos para que os países muçulmanos contivessem manifestações populares quando fosse exibido o corpo morto de Bin Laden (uma vez que poucos acreditam que ele será pego vivo). Lembrem que antes do início da guerra no Afeganistão, até o Taleban chegou a afirmar que entregaria Bin Laden se fossem mostradas provas de sua participação nos atentados.

O problema é que as declarações pós-divulgação do vídeo deixam ver que pouca coisa mudou. Quem já creditava que Bin Laden estava por trás dos atentados e que ele é um assassino frio manteve sua convicção. Quem achava que os ataques aos EUA fazem parte de uma armação mundial para prejudicar os muçulmanos continua com a mesma impressão, crendo agora que além de tudo deturpam vídeos.

Nessa guerra de propaganda, mais uma vez não houve vencedores, mas empate. E mais uma vez ficou claro que nessa batalha específica, na qual importa muito conhecer o público alvo, os Estados Unidos não dão de goleada como acontece quando o mais importante é a quantidade de bombas.
Vaguinaldo Marinheiro é secretário-assistente de Redação da Folha de S.Paulo. Escreve para a Folha Online aos domingos

E-mail: vaguinaldo.marinheiro@folha.com.br

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