Pensata

Vaguinaldo Marinheiro

13/01/2002

O piscinão de Ramos, Garotinho, traficantes e defecadores

A sensação do verão 2002 é o piscinão de Ramos, um lago artificial de 26 mil m2 ao lado da baía de Guanabara na zona norte do Rio de Janeiro.

Construído pelo governo de Anthony Garotinho e inaugurado no dia 16 de dezembro, o piscinão virou tema da novela das 8 ("O Clone"), vai ser cenário do programa de Luciano Huck e é comentário de cariocas e brasileiros.

O problema é que a mais nova obra popular de Garotinho tem perdido seu glamour inicial e agora freqüenta as páginas policiais e de saúde dos jornais.

Ana Carolina Fernandes/Folha Imagem
Piscinão de Ramos, lotado no último domingo
Garotinho, candidato à Presidência, mandou fazer a área de lazer para virar notícia e para consolidar sua preferência entre os eleitores de baixa renda do Rio. Pegou uma área degradada, onde era impossível entrar nas águas imundas da baía de Guanabara, e lá construiu o piscinão, uma espécie de lago de 26.414 metros quadrados, revestido com uma camada de polietileno e com capacidade para 30 milhões de litros água. Em volta fez calçadão, ciclovia e quadras esportivas. Até palmeiras da Costa do Sauípe foram trazidas para embelezar.

Tudo parecia ir bem. A obra do governador-candidato iria conseguir valorizar os imóveis da região e atrair pessoas até de outros Estados, que buscariam as "águas mais limpas do Rio de Janeiro", como dizia o governo.

Mas aí apareceram os problemas. Primeiro um relacionado à segurança e a uma peculiaridade do Rio, o fato de partes da cidade serem dominadas por facções criminosas. O piscinão fica ao lado de duas favelas controladas pelo Terceiro Comando (TC). Um pouco mais adiante há uma outra favela, esta do Comando Vermelho (CV). Como as duas organizações são rivais, sobrou para os banhistas.

Muitos freqüentadores do piscinão dizem que foram avisados por membros do TC que não podem usar roupas vermelhas, que seriam uma alusão ao CV.

Já uma moradora da favela dominada pelo Comando Vermelho afirmou em entrevista ao Jornal Nacional que não vai ao piscinão porque teme ser morta. "Eu sou da favela do CV, se for lá, que é dominado pelo TC, eles me matam", disse, com a resignação de quem foi obrigada a aprender a viver numa área onde as leis dos criminosos se sobrepõem até ao direito de ir e vir.

A polícia, a princípio, disse que tudo isso era uma bobagem e invenção da mídia. Depois decidiu ocupar as favelas. Mas não faltam exemplos de que tudo é muito real. No início do mês cinco banhistas foram baleados ao deixar o piscinão. Traficantes do Terceiro Comando haviam confundido os rapazes com traficantes do Comando Vermelho. Um outro garoto de 13 anos foi morto pelo mesmo motivo ("confusão").


O segundo problema é higiênico. O piscinão, que nasceu limpo, já apresenta problemas de contaminação. Medições feitas pelo governo do Estado e por um instituto independente constataram a presença de 400 e 920 coliformes fecais por 100 mililitros de água, respectivamente.

O Conselho Nacional de Meio Ambiente considera que praias e rios estão próprios para banho se tiverem até mil coliformes por 100 ml. Mas indica que no caso de piscinas não deve haver nenhum coliforme.

O Estado culpa as pessoas que defecam na água, e decidiu fazer uma campanha com trios elétricos tentando convencê-las a "deixarem essa prática de lado". Se não der certo, estuda restringir o número dos que poderão usar a piscina.

Já banhistas dizem que faltam banheiros. São apenas três, sendo que o piscinão chegou a receber 60 mil pessoas no último domingo. E além de poucos, os banheiros já estão sendo furtados: usuários levam chuveiros e torneiras.

É bom Garotinho se cuidar e fazer um trabalho extra antes de deixar o cargo para concorrer à Presidência. Porque se não conseguir controlar os traficantes e os defecadores, vai acabar vendo seu piscinão se transformar em antipropaganda eleitoral.
Vaguinaldo Marinheiro é secretário-assistente de Redação da Folha de S.Paulo. Escreve para a Folha Online aos domingos

E-mail: vaguinaldo.marinheiro@folha.com.br

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