Pensata

Vaguinaldo Marinheiro

03/02/2002

O Sharon israelense e o nosso, de Presidente Prudente

Um diz que se arrepende de não ter "liquidado" Iasser Arafat. O outro, que foi uma pena o fazendeiro que atirou em José Rainha Júnior ter "deixado escapar a raposa".

As pérolas foram proferidas por um primeiro-ministro e um prefeito e mostram que algumas pessoas, no caso governantes, explicitam sua estupidez pelas palavras. Há ainda um agravante: as frases não foram ditas numa roda de amigos, ou em tom de brincadeira, mas para órgãos de imprensa.

Primeiro Ariel Sharon, o caso mais extremo. O primeiro-ministro de Israel disse em entrevista ao jornal israelense "Maariv" que se arrepende de não ter eliminado o líder palestino Iasser Arafat quando ele estava cercado pelas tropas israelenses em 1982 no Líbano. Na época, Sharon era ministro da Defesa e comandava a invasão naquele país. Segundo ele, houve um acordo que definiu que Arafat não seria morto, fato de que se arrepende.

Hoje, Sharon mantém mais uma vez Arafat cercado, sob a mira de tanques. Se se arrepende de não ter matado daquela vez, pode querer dizer que não perderá a oportunidade agora.

Alguns afirmam que não é surpreendente a declaração de Sharon, uma vez que não é de hoje que ele mais incita que luta contra a violência no Oriente Médio. Sua visita à Esplanada das Mesquitas em setembro de 2000 foi o estopim para o início da nova Intifada (levante palestino), que já matou mais de mil pessoas (80% palestinos).

Depois disso, mantém a política de ocupações, criações de bloqueios e de recusa ao diálogo que só incentiva mais e mais ataques.

Está certo que Iasser Arafat também não ajuda na busca pela paz, seja não prendendo terroristas, seja se envolvendo com a compra ilegal de armas. Mas não é matando o líder palestino, ou expressando o desejo de fazê-lo, que a situação vai se acalmar. Sharon governa mal e fala pior ainda. Seu jeito truculento, de um lado, e a inação de Arafat, de outro, é que afastam cada vez mais qualquer possibilidade de paz no Oriente Médio.

Voltando ao Brasil, há também por aqui um "Sharon caipira". Agripino de Oliveira Lima (PTB), prefeito de Presidente Prudente.

Primeiro ele mobilizou máquinas da prefeitura para fechar uma estrada e impedir que uma marcha do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) chegasse à cidade. Parou uma rodovia importante, impediu todo o trânsito na região, tudo para barrar uma marcha que era pacífica.

Se já não bastasse, foi visitar um fazendeiro que está preso por ter atirado no líder sem-terra José Rainha Júnior e lá disse que o fazendeiro tinha cometido "uma falha lamentável" ao deixar "escapar a raposa". Ou seja, ao não ter matado Rainha.

Depois, o prefeito, de 70 anos, desafiou Rainha para uma "contenda de mãos limpas", na qual, diz, o mataria "a tapas".

O que é isso? Então Agripino Lima não acredita na possibilidade de resolver divergências civilizadamente? O caminho é partir sempre para a briga e matar o oponente?

É claro que podem dizer que foram "só palavras", que os dois queriam mais é posar de valentões. Mas declarações como essas encorajam outras pessoas a agir e a transformar essas "só palavras" em fatos irreversíveis.
Vaguinaldo Marinheiro é secretário-assistente de Redação da Folha de S.Paulo. Escreve para a Folha Online aos domingos

E-mail: vaguinaldo.marinheiro@folha.com.br

Leia as colunas anteriores

//-->

FolhaShop

Digite produto
ou marca