Pensata

Vaguinaldo Marinheiro

03/03/2002

Decisão do TSE atrapalha maus políticos, não o eleitor

O Brasil é um país caótico e avesso a regras, mas que muitas vezes só melhora com elas.

Quando passou a ser obrigatório o uso do cinto de segurança mesmo nas cidades houve grita de muitos setores. O argumento principal era que o Estado estava interferindo na vida privada do cidadão. Na época, Millôr Fernandes disse que o Estado não tinha o direito de impedi-lo de se matar num acidente automobilístico.

Passados anos, usar o cinto virou um hábito, o número de mortos em acidentes caiu e ninguém mais lembra que isso foi uma interferência do Estado. Quem já usava antes de lei, por consciência, continuou a fazê-lo. Quem não usava, por burrice, passou a fazê-lo por causa da multa.

Agora, o TSE faz uma interpretação da lei eleitoral e determina que se um partido fizer uma coligação com outro para a eleição presidencial não poderá se coligar com outros nos Estados. De novo, grita geral. De novo, os argumentos de que há uma interferência na liberdade dos partidos, de que um poder (no caso o Judiciário) está entrando na seara do outro (o Legislativo) e que o país tem essa mania de resolver seus problemas com "normas".

Mas qual o problema da decisão do TSE se ele não altera uma lei, a interpreta (função do Judiciário), e apenas exige dos partidos coerência? Porque se um partido confia no outro para fechar uma coligação para o cargo mais importante do país (o de presidente), deve também aceitá-lo para o governo do Estado ou para os cargos legislativos.

Só que no Brasil coligação significa tempo de TV nos programas eleitorais, não convergência de idéias. É isso que explica que partidos diametralmente opostos ideologicamente se juntem num palanque (digamos nacional) e troquem acusações e farpas num outro (estadual). E o eleitor fica perdido nessa confusão.

O que a decisão do TSE faz é forçar uma coerência partidária. É claro que seria melhor que essa coerência se desse naturalmente e que fosse facilmente reconhecível pelo eleitorado. Mas as negociações que estavam em curso até agora mostravam que isso não aconteceria num curto prazo. Então, qual o problema de uma regra para induzi-la?

Há também o argumento de que o TSE mudou as regras no meio do jogo, no ano da eleição, quando as negociações para coligações já estavam em andamento. Isso seria o tal golpe. Para essa reclamação, alguns contra-argumentos: 1) as negociações ainda estão em andamento, não foram concluídas e podem ser mudadas; 2) o prazo para todas essas definições é junho, data das convenções que definem os candidatos; 3) as negociações que respeitam a coerência podem continuar.

É até normal que a coligação vertical seja vista como prejudicial por alguns (maus) políticos porque limita suas ações, porque impede o vale-tudo, dificulta a venda dos horários na TV. Já para o eleitor, ela não atrapalha nada. Não é como o voto vinculado do regime militar (erroneamente lembrado nesses últimos dias), que obrigava o voto em um só partido para todos os cargos.

Aquilo era uma restrição à liberdade do eleitor, a medida de agora o auxilia.

Daqui a algum tempo, como no caso do cinto, todos vão concordar com isso.
Vaguinaldo Marinheiro é secretário-assistente de Redação da Folha de S.Paulo. Escreve para a Folha Online aos domingos

E-mail: vaguinaldo.marinheiro@folha.com.br

Leia as colunas anteriores

//-->

FolhaShop

Digite produto
ou marca