Pensata

Vaguinaldo Marinheiro

28/04/2002

Reflexos do 11 de setembro e a mídia no Brasil e nos EUA

Esta é a primeira vez que volto aos Estados Unidos desde os ataques terroristas de 11 de setembro. E é curioso tentar ver com os próprios olhos o que mudou e o que não mudou no país.

As mudanças mais visíveis e imediatas estão nos aeroportos, onde velhinhas são obrigadas a abrir suas malas, e expor roupas íntimas, para a revista de agentes de segurança. Onde homens e mulheres até tiram os sapatos para deixar claro que não carregam bombas.

Mas ninguém parece se importar com isso. Os agentes de segurança pedem desculpas e afirmam que isso é agora exigido pelo FAA (órgão que regula a aviação nos EUA). Já o comentário padrão da maioria, que antes reclamava de qualquer processo de invasão de privacidade, é: se é para nossa segurança, tudo bem.

A outra mudança está na postura das pessoas, principalmente aquelas mais educadas e informadas. Nas conversas, o norte-americano que pensa ficou mais defensivo e aqui e ali solta as frases símbolos do pós-11 de setembro: "Nós não sabíamos que o mundo não gostava da gente. Que havia esse sentimento antiamericano". Logo emendam que precisam conhecer melhor o mundo, viajar mais para talvez entender esse "ódio".

Mas, se os discursos mudaram, a forma de ver o mundo, principalmente pelos olhos da mídia, continua igual.

Por exemplo, quem na última semana usasse os jornais locais, revistas ou emissoras de TV para entender o que acontece no planeta ficaria com as seguintes conclusões: 1) que a estréia do novo "Guerra nas Estrelas" é mais importante que o fato de um direitista xenófobo como Jean-Marie Le Pen ter ido para o segundo turno das eleições presidenciais na França; 2) que o desenrolar do caso Robert Blake (que interpretava "Baretta" no seriado de TV dos ano 70), acusado de matar a mulher, é mais importante que o desdobramento da crise no Oriente Médio; 3) que a definição de mais um reality show (no caso, "The Bachelor", no qual um solteirão sai com várias mulheres e a cada semana descarta uma delas, até o episódio final, quando escolhe entre as duas finalistas com quem vai se casar) é mais importante que a crise argentina.

Coloquei em negrito os "mais importantes" porque não se trata aqui de discutir o que é "mais divertido" ou "mais fácil de ler", mas do que é mais importante para o conjunto dos seres humanos no médio prazo.

E qual a razão de a mídia insistir nesse caminho? Por que ela não mudou e não ajuda o americano a entender melhor o mundo? Porque na prática ele, o leitor americano, parece não querer.

Um dos responsáveis pelo site de notícias da MSNBC me disse que as coisas mudaram um pouco desde o 11 de setembro, mas que noticiário internacional "puro" continua não atraindo a atenção dos leitores. Não dando audiência.

As pessoas, afirmou, só se interessam por notícias internacionais quando se referem a terror ou quando fica claro que algum americano está em perigo (como refém, por exemplo). Ou seja, quando o internacional se torna um assunto 100% local.

Mas será que está correto acreditar que esse processo insular e o apreço pelo "jornalismo de entretenimento" sejam características exclusivas dos norte-americanos? É claro que não. O Brasil parece seguir pelo mesmo caminho de "futilização" do noticiário. E se esse processo ainda não é tão visível, a razão é econômica. Em nosso país, os meios de comunicação ainda atingem, e são sustentados economicamente, por uma elite, que é e gosta de se enxergar mais "internacional".

Quando, assim como nos EUA, a grande massa consumidora de mídia for composta de integrantes da classe média, mediamente educados, também vamos ter essa visão de que o mundo tem só 8 milhões de quilômetros quadrados, e que ele começa no Oiapoque e termina no Chuí. Aí vamos ter razão de não entender o que os outros pensam da gente.
Vaguinaldo Marinheiro é secretário-assistente de Redação da Folha de S.Paulo. Escreve para a Folha Online aos domingos

E-mail: vaguinaldo.marinheiro@folha.com.br

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