Pensata

Vaguinaldo Marinheiro

02/06/2002

Lula abandona estilo Telê e aposta em Parreira para não ser tetra

Ele tentou ser presidente por três eleições seguidas sendo "autêntico". Seu estilo era ser parecido com o povo, que dizia representar: aparecia de camiseta, suado, com cabelos desgrenhados e dentes "desalinhados". Também escorregava nas regras gramaticais. Perdeu as três vezes, talvez porque uma baixa auto-estima crônica faz o brasileiro querer alguém "melhor que ele" na Presidência, não um igual.

Tentou chegar ao Planalto essas mesmas três vezes com uma política de alianças "coerente": só aceitava os partidos com tradição de esquerda, que sempre defendeu. Foi derrotado pelos "incoerentes", talvez porque o eleitorado brasileiro ainda tenha medo da esquerda, talvez porque seu leque de partidos não garantia na TV o tempo necessário para convencer o eleitorado.

Passadas as eleições, e as derrotas, intelectuais e analistas de esquerda e de direita sempre falavam bem desse candidato. Era autêntico, era coerente, não se deixava levar pelas regras da política, diziam. Entre esses, era um "vencedor", ainda que derrotado.

Agora Luiz Inácio Lula da Silva mudou. Na aparência, se distanciou do povo brasileiro: no lugar da camiseta, ternos Armani; os cabelos e a barba estão sempre aparados; o canino esquerdo foi aumentado para alinhar o sorriso. O novo Lula quer se parecer com um "doutor". Evita os "pra mim fazer" e cuida da conjugação dos verbos. Talvez consiga ser um modelo para o povo e ganhe sua admiração e os votos.

No campo das alianças, perdeu a "vergonha". Como outros que já venceram (por exemplo Fernando Henrique Cardoso), procura acertos com partidos e políticos distantes de sua própria trajetória. Aceita o PL, inclusive com seus pastores e o ex-desafeto Luiz Antonio de Medeiros, e até deu um atestado de idoneidade para o antigo inimigo Orestes Quércia, que pode lhe dar o apoio do PMDB.

Alguns acreditam que essas mudanças o coloquem mais perto do que nunca de uma vitória. As pesquisas corroboram essa tese: se a eleição fosse hoje, venceria qualquer um dos outros pré-candidatos num segundo turno.

Talvez por isso, muitos daqueles intelectuais e analistas que sempre o elogiavam nas derrotas estejam agora torcendo o nariz. Talvez por isso alguns de seus partidários mais ferrenhos o critiquem. Lula teria se "vendido", se conformado com as regras tortas da política. Teria perdido o que o diferenciava dos outros, o que o tornava uma opção.

Para fazer um paralelo com o assunto da moda, a Copa do Mundo, Lula nas outras eleições usava o esquema das seleções de Telê Santana de 82 e 86, que jogavam bonito, não davam botinada, encantavam puristas, mas não levavam o título.

Agora foi para o estilo Parreira de 94: joga "feio" como os outros. Aproveita-se das regras. Pensa no resultado.

Se ganhar, vai comprovar a tese de que a diluição torna qualquer discurso, qualquer candidato mais palatável. Vai frustrar alguns mais radicais. Mas não deve estar preocupado com isso. Só sabe que faz qualquer coisa para não ser tetra. Tetra na derrota.
Vaguinaldo Marinheiro é secretário-assistente de Redação da Folha de S.Paulo. Escreve para a Folha Online aos domingos

E-mail: vaguinaldo.marinheiro@folha.com.br

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