Pensata

Vaguinaldo Marinheiro

16/06/2002

Estados mandam aviso aos bandidos: poupem "famosos", só matem "comuns"

Se assassinos e sequestradores se movessem pela lógica, todos os "famosos" poderiam ficar sossegados porque não correriam risco algum. A razão é simples, os responsáveis pela segurança pública dos Estados brasileiros parecem ter uma lei que tolera a violência entre os "comuns" e obriga uma ação quando a vítima frequenta páginas de jornais.

Foi assim no começo do ano em São Paulo. O Estado já registrava um recorde no número de sequestros, mas o governo insistia em discutir estatísticas. Quando se juntaram os sequestros de Washington Olivetto e do prefeito de Santo André Celso Daniel (este último acabando em morte), todos pareceram acordar. O secretário da Segurança Pública foi trocado. A polícia passou a fazer blitze. Caçar os sequestradores virou uma questão de honra.

Outros tantos sequestradores, aqueles cujos alvos eram pessoas "comuns", continuam soltos. Os de Olivetto e de Celso Daniel já estão presos.

Agora, a história se repete no Rio de Janeiro. Traficantes dominam os morros há décadas. Há vários pontos na cidade onde não se pode ir: erre um caminho e você não volta vivo. Mas tudo parecia tolerado até a morte do jornalista Tim Lopes, da Rede Globo.

Tim foi à favela Vila Cruzeiro para constatar a denúncia de que os traficantes promovem bailes onde menores são vendidas para exploração sexual. Denúncia que muito provavelmente também a polícia havia recebido.

Se os traficantes o houvessem poupado, todos teriam assistido a mais um "Globo Repórter", esboçariam alguma indignação, mas a vida e o crime continuariam. Só que o traficante Elias Maluco (talvez por ser "maluco") decidiu não respeitar a lei de apenas matar "comuns". Mandou assassinar o jornalista e agora, só agora, sua captura passou a ser prioridade.

O recado dos supostos responsáveis pela segurança pública é tão claro que muitos moradores desses morros devem torcer pela morte de algum famoso. Só assim, acreditam, suas vidas podem melhorar um pouco.

Na busca pelo corpo de Tim Lopes, por exemplo, a polícia encontrou um cemitério clandestino com várias ossadas e arcadas dentárias. Eram de pessoas "comuns", que são mortas todos os dias pelos traficantes, mas que nem entram nas estatísticas de homicídios do Estado.

Como não são "famosas", também não se tornam razão para ocupações dos morros, para caçadas, para um mínimo empenho.

Ao reforçar mais uma vez essa lei, os Estados mandam agora um recado aos "famosos": além de seguranças e carros blindados, e sempre bom também carregar um crachá para se proteger.
Vaguinaldo Marinheiro é secretário-assistente de Redação da Folha de S.Paulo. Escreve para a Folha Online aos domingos

E-mail: vaguinaldo.marinheiro@folha.com.br

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