Pensata

Vaguinaldo Marinheiro

28/07/2002

O segredo do sucesso de Ciro Gomes

O avanço de Ciro Gomes nas pesquisas eleitorais pode ser justificado até agora menos por suas supostas qualidades e mais por deficiências de seus adversários. Os melhores cabos eleitorais do candidato da Frente Trabalhista têm sido justamente José Serra e Luiz Inácio Lula da Silva.

Lula porque, apesar de toda a repaginação e do marqueteiro, ainda não conseguiu acabar com o preconceito que muitos têm em relação a ele. Não são poucos os que vêem no candidato alguém ainda despreparado para ser presidente do país. Além disso, crêem que ele não teria condições de representar o país neste mundo globalizado.

Por outro lado, essa repaginada visual e de idéias parece neste momento provocar mais defecções que adesões. A declaração do diretor teatral Gabriel Vilela, que participou de encontro com Ciro Gomes no meio da semana, exemplifica um pouco esse fenômeno. Eleitor histórico de candidatos do PT, Vilela disse que agora "petista moderno vota no Ciro". Ao explicar a frase, afirmou que "Lula afrouxou o discurso. Ficou manso".

Para esses que criticam a mansidão de Lula, Ciro surge como o candidato perfeito, com seus arroubos de indignação.

Com relação a Serra, tudo parece atrapalhá-lo. Não há um número econômico favorável a quem está na corrida representando o governo: bancos americanos acham que o Brasil está à beira do calote; o BC afirma que a meta da inflação vai estourar; o IBGE revela que a renda do trabalhador cai pelo 17º mês consecutivo; investidores estrangeiros fogem da Bolsa, que cai dia após dia; e o dólar bate recordes seguidos.

Além disso, o candidato, ele mesmo, não se ajuda muito. Até agora não conseguiu ampliar o número daqueles que o vêem como o "mais preparado", que é o lema da sua campanha.

Em vez disso, vê espalhar a constatação de sua falta de carisma e de seu ar professoral demais, que afasta o público.

Nesse universo desfavorável aos dois oponentes que muitos davam como certos no segundo turno, Ciro ganha votos não precisando ser nada. Apenas "não sendo". Por enquanto, bastou a ele "não ser" o "ex-metalúrgico despreparado" (como alguns vêem Lula), nem o "antipático que continuará com uma política econômica que levou a economia brasileira aonde ela está hoje".

Para o resultado das pesquisas, pouco importa o que há de verdade ou inverdade nessas imagens. Neste momento da corrida presidencial, as pessoas afirmam que vão votar nesse ou naquele candidato baseado nessas imagens. Será que algo muda até 6 de outubro?

O QUE FALAM DE NÓS

A eleição brasileira é assunto também na imprensa internacional. Abaixo, alguns exemplos do que "The Guardian" e "Financial Times", dois diários britânicos, escreveram na sexta sobre os candidatos à Presidência. Eles também reproduzem os estereótipos ouvidos por aqui.


"The Guardian":

Lula - "A barba continua lá, mas o discurso inflamável deu lugar a outro mais cauteloso. As camisetas com slogans foram substituídas por ternos elegantes."

José Serra - "Ex-ministro da Saúde, ganhou notoriedade por forçar a indústria farmacêutica a reduzir o preço dos medicamentos de combate à Aids cobrados dos países do Terceiro Mundo. Tem passado de esquerdista, mas mudou para o centro durante o atual governo. É um administrador respeitável, mas tristemente sem carisma."

Ciro Gomes - "Foi prefeito de Fortaleza aos 30 anos e governador do Ceará aos 32. Representa um pequeno partido de esquerda. É famoso em parte por causa de sua namorada, um estrela de telenovelas que superou um câncer recentemente e aderiu à sua campanha."

Anthony Garotinho - "Ex-comentarista de futebol, é o único populista na disputa. Evangélico que também vem de um partido de esquerda, usa dinheiro e os meios de comunicação da igreja para difundir sua mensagem."

Sobre o Brasil - "O poder da televisão é enorme no Brasil, um país com população diversa e em sua maioria pouco instruída."

"Financial Times":

"Seu (de Ciro) caráter aberto e prático tem um apelo popular que contrasta com a seriedade e frequente erudição de Serra."
Vaguinaldo Marinheiro é secretário-assistente de Redação da Folha de S.Paulo. Escreve para a Folha Online aos domingos

E-mail: vaguinaldo.marinheiro@folha.com.br

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