Pensata

Vaguinaldo Marinheiro

15/09/2002

Por que Bush trocou Bin Laden por Saddam

Como a vida é imprevisível, a humanidade demanda certezas no seu dia-a-dia, sejam elas quais forem. Por isso, há uma nova certeza no ar, de que a guerra dos EUA contra o Iraque é inevitável e que ocorrerá numa questão de dias, semanas ou poucos meses.

Para justificá-la, outras certezas estão sendo construídas: que Saddam Hussein tem condições de construir uma bomba atômica; que usará armas químicas e biológicas; que está por trás de atentados terroristas.

Tudo isso pode ser verdade, mas até agora não há, ou não foram apresentadas, provas suficientes de que seja.

Estudo do IISS (Instituto Internacional para Estudos Estratégicos) apresentado na semana passada mostra que o Iraque levaria um bom tempo para conseguir produzir uma bomba atômica e que hoje também não teria condições de utilizar suas armas químicas e biológicas de uma forma a atingir um número elevado de pessoas.

Isso não significa que devemos torcer por uma vida longa de Saddam à frente do Iraque. Ele é sem dúvidas um dos ditadores do mundo, e estaríamos melhores sem ele. Mas o que viria depois de sua derrubada? O secretário-geral da ONU, Koffi Annan, se disse muito preocupado com o dia seguinte a uma deposição forçada do iraquiano.

Afinal, de onde vem a certeza de que um novo dirigente iria respeitar leis internacionais e as minorias de seu próprio país?

A preocupação de Annan encontra ainda fundamento na história recente de intervenções americanas na região, que provocaram um "day after" pior que a situação anterior.

O Afeganistão é um exemplo. Para combater a invasão soviética (de 1979 a 1989), os norte-americanos financiaram guerrilheiros, entre eles Osama bin Laden e aqueles que depois montaram o Talibã.

No Iraque foi a mesma coisa. Para impedir um avanço iraniano, os EUA ajudaram o então aliado Saddam Hussein na guerra com o país vizinho.

Ou seja, a política externa equivocada dos norte-americanos criou ou engrandeceu seus próprios inimigos.

Também foi desastrosa a influência norte-americana na América Latina nas décadas de 60 e 70. Ao incentivar a deposição de governos democráticos e a ascensão de militares no Brasil, Argentina e Chile, a região contabilizou milhares de desaparecidos, torturados e mortos.

Mas voltando ao Iraque, por que George W. Bush tanto quer acabar com Saddam? Ele oferece perigo para o mundo, mas não é o único. Não respeita resoluções da ONU, mas, de novo, não está sozinho. E por que agora os EUA parecem ter deixado de lado Bin Laden para se concentrar no ditador iraquiano?

A resposta para essa última pergunta parece mais simples, ainda que não envolva certeza, mas dedução: a caça a Bin Laden é mais difícil, uma vez que o terrorista saudita não tem pátria, não tem endereço, não tem cargo. Pode estar hoje em qualquer lugar ou em nenhum aparentemente encontrável, como agora.

Já a derrubada de Saddam parece tarefa mais fácil. Basta acabar com o país, como foi feito no Afeganistão, que ele cai junto, e a missão parecerá cumprida.

Como Bush parece não conseguir cumprir a promessa, feita há um ano, de entregar a cabeça de Bin Laden a seu eleitorado, mira no próximo, e talvez mais fácil, da lista de inimigos, Saddam.
Vaguinaldo Marinheiro é secretário-assistente de Redação da Folha de S.Paulo. Escreve para a Folha Online aos domingos

E-mail: vaguinaldo.marinheiro@folha.com.br

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