Pensata

Vaguinaldo Marinheiro

29/09/2002

Políticos querem guerra. Financistas, dinheiro

Os avanços tecnológicos e a possibilidade de acompanharmos, via internet e satélites, o que acontece em quase todos os cantos do mundo nos dão uma falsa sensação de dinamismo e de que a civilização está progredindo.

Pode até estar, ainda que pouco, mas não nas questões políticas e econômicas, que deveriam ser motrizes para a melhoria do bem-estar geral. Vejam, por exemplo, o texto abaixo:

"Nas finanças, como na guerra, quase todos os que possuem competência técnica têm tendências contrárias aos interesses da coletividade. Os especialistas militares são o principal obstáculo ao sucesso das Conferências de Desarmamento. Não que sejam homens desonestos, mas suas preocupações habituais os impedem de enxergar a questão dos armamentos na perspectiva adequada. O mesmo se aplica às finanças. Quase ninguém as conhece em detalhes, exceto as pessoas que se dedicam a ganhar dinheiro com o atual sistema, pessoas cujos pontos de vista, evidentemente, não podem nunca ser totalmente imparciais. Para remediar o atual estado de coisas será necessário que as democracias do mundo tomem consciência da importância das finanças e descubram formas de simplificar seus princípios, de maneira a torná-los amplamente compreensíveis. Devo admitir que isso não é fácil, mas não creio que seja impossível. Um dos obstáculos ao êxito da democracia em nossa época é a complexidade do mundo moderno, que torna cada vez mais difícil ao cidadão comum formar opiniões inteligentes sobre questões políticas ou mesmo decidir qual é o julgamento especializado mais merecedor de sua confiança. A solução neste caso é melhorar a educação e encontrar outras maneiras mais simples do que as que estão em voga e explicar a estrutura da sociedade. Todos os que crêem numa democracia efetiva deveriam defender uma tal reforma. Mas talvez não exista mais ninguém que creia na democracia, exceto no Sião e nas regiões mais remotas da Mongólia."

O texto foi escrito na década de 30 do século passado, mas poderia ser reproduzido sem alterar uma vírgula em qualquer discussão atual.

Tudo é válido. Não porque o filósofo britânico Bertand Russell, seu autor, tivesse poderes de antever o futuro, mas porque o texto era atual naquela época e continua sendo agora, uma vez que a humanidade está estagnada nesses assuntos.

Hoje, "especialistas militares", e outros nem tanto, nos EUA rasgam todos os acordos de contenção armamentista e adotam uma doutrina baseada mais na guerra que na tentativa de dissuasão do inimigo.

No campo das finanças, o mundo se vê todos os dias tentando entender por que as Bolsas do mundo sobem ou descem, por que, e principalmente como, empresas fraudam balanços, não são "pegas" por auditorias e causam esse terremoto no mercado de ações do planeta.

Curiosamente, Russell escreveu aquele ensaio ("O Moderno Midas", que no Brasil está no livro "Elogio ao Ócio", lançado este ano pela Sextante) num período pós-crash da Bolsa de Nova York, quando o mundo amargava uma recessão global e estava na iminência de mais uma guerra mundial.

O momento agora só difere em escala: a economia mundial está quase parada, com os mercados de ações registrando os piores índices em mais de cinco anos, e, se a possibilidade de uma guerra mundial é muito remota, uma nova guerra do Golfo parece iminente.

O que concluir de tudo isso, o velho lema marxista de que a história sempre se repete? Não, ela apenas avança, se é que avança, muito lentamente nesse universo político/econômico. Por isso, infelizmente, esse texto de Russell deve continuar atual também no próximo século.
Vaguinaldo Marinheiro é secretário-assistente de Redação da Folha de S.Paulo. Escreve para a Folha Online aos domingos

E-mail: vaguinaldo.marinheiro@folha.com.br

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