Pensata

Vaguinaldo Marinheiro

27/10/2002

Os erros e as dúvidas desta eleição

Só um estudo muito trabalhoso vai provar se é verdade ou apenas "achismo" que esta eleição foi a mais recheada de erros de toda a história republicana brasileira. Mas não há dúvidas de que houve muitos. Erros de políticos e também de analistas políticos.

Agora, com os números das últimas pesquisas em mãos, todos afirmam que Luiz Inácio Lula da Silva vai ser eleito hoje. Não há mais dúvidas. A vitória é certa. Como disse o próprio candidato, só mesmo um cataclismo ou um atentado da Al Qaeda no país para (talvez) impedir isso.

Mas relembre entrevistas de políticos e colunas de analistas no primeiro semestre. Houve quem apostasse em Roseana, em Ciro, em Serra... Mas quase ninguém apostava em Lula.

Seria sua quarta derrota, todos afirmavam. Iria para o segundo turno, mas perderia para quem quer que fosse o adversário, que teria o apoio dos conservadores e da máquina do governo.

Não estou me isentando dos erros. Em muitas colunas ao longo do ano escrevi que nem Lula acreditava em sua vitória.

Entre os políticos então, foi um festival de equívocos. Principalmente do PFL, que embarcou em duas campanhas furadas, de Roseana e de Ciro Gomes.

Por que todos erraram? Por que todos acharam que se repetiria a história das últimas três eleições, todas desde a redemocratização?

Os motivos são vários. Arrogância para não colocar em dúvida falsas verdades e miopia para não perceber mudanças no país? Talvez. Mas, qualquer afirmação categórica agora, seria mais uma vez prematura. Ainda será necessário um longo tempo para de fato perceber o que fez Lula vencer.

Há várias razões separadas, mas é a combinação delas que pode melhor explicar. O que falta é atribuir peso a cada uma delas.

Por exemplo: qual o peso da repaginação do petista? Os ternos Armani e Ricardo Almeida que o candidato não tirava nem dentro dos aviões ou sobre a chuva; a barba bem aparada; os dentes agora alinhados; o maior cuidado na hora de falar (se bem que muitas das escorregadas continuam)... Quanto isso ajudou para tirar Lula de seus históricos 30% e alçá-lo à maioria? Teria ele vencido Collor ou Fernando Henrique se tivesse o apoio de um stylist?

Qual o peso das mudanças dentro do PT, que se tornou mais pragmático, amainou o discurso, reduziu o poder e a visibilidade dos radicais e fez alianças mais à direita? Teria Lula vencido antes se tivesse um empresário do PL ao seu lado e não Leonel Brizola como vice?

Qual o peso de faltar um adversário de fato atraente aos olhos do eleitorado? Dois, com apelo forte (Roseana, por ser mulher e fotografar bem, Ciro, por ser considerado boa pinta e articulado nos debates e entrevistas), se autodestruíram.

Ela com a montanha inexplicável de dinheiro. Ele, por soltar demais a língua. Mas alguém afirmaria que FHC era o rei do carisma em 1994? Ninguém.

Qual o peso do desejo de mudanças por parte das pessoas após oito anos de uma mesma turma no governo? O Brasil tem essa característica de querer mudar. De achar que a grama é sempre mais verde no quintal do vizinho, que é preciso dar uma chance aos outros para ver se a coisa melhora.

Por fim, qual o peso dos números da economia brasileira? Com recorde histórico de desemprego, dólar batendo nos R$ 4, inflação acelerando, quem vai apostar no candidato do governo?

Como para esses dois últimos tópicos não há paralelo, talvez esteja aí o principal para explicar a eleição de hoje.

Caberá a um intelectual a tarefa de elaborar uma equação definitiva. Talvez Fernando Henrique, depois de janeiro, aceite essa tarefa. Afinal, a história ainda dirá se ele foi um grande presidente. Já como sociólogo, não restam dúvidas.
Vaguinaldo Marinheiro é secretário-assistente de Redação da Folha de S.Paulo. Escreve para a Folha Online aos domingos

E-mail: vaguinaldo.marinheiro@folha.com.br

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