Pensata

Vaguinaldo Marinheiro

03/11/2002

É Lula lá ou Tancredo lá?

Foi difícil não lembrar nos últimos dias do início de 1985, quando da eleição, indireta, de Tancredo Neves para a Presidência. Muitos enxergavam no mineiro um novo messias, aquele que representava a esperança de tirar toda a nação brasileira de anos de ditadura para entrar na democracia e na prosperidade.

À época, as TVs exibiam imagens editadas embaladas por canções populares que levavam alguns às lágrimas. Jornais e revistas eram laudatórios e mostravam a população em êxtase, querendo se aproximar do eleito, tocá-lo.

Agora acontece algo muito parecido com Lula. O petista é agraciado com clipes sentimentais nas TVs e em seus eventos em público há uma certa histeria das pessoas querendo vê-lo e também tocá-lo.

É ele desta vez o depositário de todas as esperanças nacionais. É visto como aquele que irá livrar todo o povo da fome, do desemprego, da violência.

Deveriam acabar aí, nas impressões e manifestações da mídia, os paralelismos.

A principal razão é que é inadequado fazer uma comparação histórica. Em 1985, o país saía de 21 anos de regime militar, quando as liberdades civis foram massacradas. Mesmo que Tancredo não fosse o responsável, havia algo de que "libertar" as pessoas. Por isso, era quase natural que as pessoas o vissem como alguém que as iria redimir.

No momento atual, há apenas uma mudança de presidente. Afinal, pode haver um milhão de críticas ao governo Fernando Henrique Cardoso, mas seria cegueira querer igualar o Brasil de hoje com o de 85.

Alguns podem até dizer que não se trata de "uma" mudança de presidentes, mas de "a" mudança. A real alternância de poder, com a saída das elites e a entrada de um representante do povo. Só que um fenômeno histórico e sua real importância não podem ser definidos a quente, sem que o tempo separe os componentes puramente emocionais, e as consequências ajudem a balizá-los.

Além disso, mesmo essa "mudança" não justificaria a elevação de um presidente à condição de salvador.

De qualquer forma, essa divinização de Lula pode até ajudar o presidente e seu partido num primeiro momento. Eles podem usá-la na hora de negociações com o Congresso, por exemplo. Afinal, além dos 50 milhões de voto, o eleito conta com o apreço do povo. Então, por que, ou como, contrariá-lo ou a suas vontades?

Só que isso pode acabar funcionando como um fardo no futuro, quando não for possível corresponder a todas as expectativas, que ficam ainda mais infladas com a mitificação do governante.

Mas o povo, embriagado de esperanças e ressacado de frustrações, torce que isso nunca aconteça.
Vaguinaldo Marinheiro é secretário-assistente de Redação da Folha de S.Paulo. Escreve para a Folha Online aos domingos

E-mail: vaguinaldo.marinheiro@folha.com.br

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