Pensata

Eliane Cantanhêde

03/03/2004

Dia de cão no Senado

As Bolsas caíram, o risco-Brasil subiu e o dólar oscilou abruptamente na terça-feira, 02/03, tudo por que um senador de primeiro mandato e segundas intenções anunciou com estardalhaço que faria novas denúncias. Era tudo mentira.

Foi só o tal senador, Almeida Lima (PDT-SE), acabar de discursar para o mercado fazer o caminho inverso, com a Bolsa subindo e o dólar se estabilizando. Ficou feio para quem blefou, ficou horrível para o Senado. Só o governo se deu bem.

Tudo o que o senador tinha era um relatório preliminar de um delegado que, entre outras coisas, saiu catando notinhas de jornais sobre o caso Waldomiro. Daí, ele concluiu que o chefe da Casa Civil, José Dirceu, estava trabalhando pessoalmente e por telefone desde 2003 para "abafar" denúncias, ou suspeitas, contra Waldomiro.

As ameaças e o próprio discurso de Almeida Lima foram uma lambança, dessas de nivelar a política brasileira à venezuelana. Em falta de fatos, vieram as piadas. A mais expressiva era sobre a verdadeira identidade do senador-denunciante: ele seria um agente petista infiltrado entre oposicionistas para desmoralizar a oposição, a imprensa e as renúncias reais.

Uma piada, aliás, que fazia todo o sentido. Senão, vejamos:

1 - José Dirceu estava com a corda no pescoço, mas o vexame produzido ontem no Senado lhe dá alguma sobrevida. O Palácio, que chegara a acreditar que viria "uma bomba", estava aliviado à tarde, com Dirceu ainda imobilizado e mudo, mas com título de chefe da Casa Civil;

2 - A pesquisa Datafolha que foi manchete da Folha no mesmo dia informava que 81% dos consultados querem a CPI para o caso Waldomiro, 67% acham que Dirceu deveria se afastar (temporariamente ou por renúncia), a popularidade do governo cai mais quatro pontos. Só Lula se salva. Com a ficção no Senado, o mundo político tentou deixar a realidade da pesquisa em segundo plano;

3 - A oposição ficou sem discurso no Congresso, e há muito não se via os governistas tão animados, tão vigorosos, tão irados com "a denúncia vazia", "o espetáculo deprimente", "o artificialismo e a irresponsabilidade das acusações" (não apenas a do tal senador em busca de seus 15 minutos de glória, mas todas elas).

Como detalhe, os hilários momentos do discurso de Aloizio Mercadante (PT-SP), líder do governo no Senado. Aos berros, ele recriminava essa onda de dossiês e a fúria pelo "linchamento". Quem te viu, quem te vê. Nos últimos anos, até 2002, Mercadante foi o rei dos dossiês do Congresso, o rei dos linchamentos. Ah! Aliás, com a preciosa ajuda do Waldomiro _esse que o PT de Mercadante agora renega.

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PS _ Quanto à Venezuela: a coisa lá tá grave, com gente na rua gritando pró-Chávez e gritando anti-Chávez e a polícia no meio, jogando bombas de gás lacrimogêneo. De vez em quando, morrem um ou dois. E o pior é que não há nenhuma saída à vista. Os dois grupos, pró e contra, se neutralizam. Assim está, assim vai ficando.
Eliane Cantanhêde é colunista da Folha, desde 1997, e comenta governos, política interna e externa, defesa, área social e comportamento. Participou intensamente da cobertura do choque entre o Boeing da Gol e o jato Legacy, em setembro de 2006.

E-mail: elianec@uol.com.br

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