Pensata

Eliane Cantanhêde

23/06/2004

O velho caudilho

Não se julgam os homens públicos pelos derradeiros anos, mas pela atuação durante toda a vida. Assim é com Leonel Brizola, que teve uma trajetória errática nos últimos 15 a 20 anos, depois do longo exílio, mas deixa para a história a biografia, sobretudo, de um democrata, um lutador.

Com a morte de Brizola, aos 82 anos, a sua última grande obra, o PDT, entra definitivamente no ocaso. É uma questão de tempo. O partido foi criado com o fim do bipartidarismo, apenas porque Ivete Vargas roubara de Brizola na Justiça o direito de refundar o PTB da era Vargas e do governo Jango.

Sem o PTB, Brizola virou-se com o PDT. No início, um partido marcadamente de minorias, ou ditas minorias: índios, mulheres, negros. Até que se percebeu que o PDT era Brizola, Brizola, só Brizola. "O velho caudilho", como era chamado, era homem de pouca leitura, muita garra e nada afeito a divisões de poder.

Marcello Alencar, Fernando Lyra, Miro Teixeira, Garotinho, muitos foram os que passaram pelo "partido do Brizola" sem jamais conseguir efetivamente influir nas posições e nos destinos. E acabaram saindo.

Ele também era bom de pedir apoio, mas ruim de dar. Refratário à política da "união faz a força" que manteve o MDB vivo como PMDB mesmo depois do bipartidarismo, ele fez questão de fundar seu próprio partido e sempre, ao fazer alianças, tornava-se automaticamente um aliado difícil, às vezes mais problema do que solução.

A aliança com Lula, por exemplo, foi e voltou, foi e voltou, até que se foi embora. Aliás, já começou mal, ainda no segundo turno das primeiras eleições diretas depois da ditadura, em 1989. E como começou? Com Brizola classificando Lula, o aliado, como um "sapo barbudo", difícil de engolir.

Apoiou Lula em 1989 e daí em diante, até se tornar candidato a vice na chapa de Lula em 1998, mas nunca digeriu o "sapo" comletamente. Tanto que, ao morrer agora, no segundo ano do governo Lula, já tinha abandonado a condição de aliado para formar na fileira de oposição ao lado de PSDB (apesar de toda a bronca de FHC e sua política econômica) e de PFL (apesar da ojeriza ideológica histórica, que sempre pareceu intransponível).

Da mesma forma que superou divergências ideológicas históricas e foi acusado de defender por baixo dos panos a prorrogação do mandato de João Batista Figueiredo, o último general-presidente, Brizola também encerrou sua história ao lado de Jorge Bornhausen, presidente do PFL. E contra Lula.

Se houve alguém que simbolizou "a esquerda" demonizada pela Arena, pelo PDS e pelo atual PFL foi Leonel Brizola. Inclusive, ou sobretudo, no momento definitivo de sua carreira política: justamente a eleição de 89, quando ficou em terceiro lugar no primeiro turno, atrás de Lula e de Fernando Collor de Mello. Há controvérsias sobre o resultado da eleição: foi Lula quem "ganhou" o segundo lugar, ou foi Brizola quem "perdeu" para a pressão de toda a direita, de militares à mídia?

Entre todos os sapos, barbudos ou não, o que teve mais dificuldade de engolir foi o petista Lula. Brizola gostava de reinar sozinho. Nunca aceitou dividir o reinado e muito menos entregar o trono da esquerda para o companheiro Lula e para o PT.

Mas, como dizíamos no início, a obra política do "engenheiro" ou do "velho caudilho" vai muito além do governo Lula e do próprio PDT. E tem espaço cativo e respeitável na história brasileira.
Eliane Cantanhêde é colunista da Folha, desde 1997, e comenta governos, política interna e externa, defesa, área social e comportamento. Participou intensamente da cobertura do choque entre o Boeing da Gol e o jato Legacy, em setembro de 2006.

E-mail: elianec@uol.com.br

Leia as colunas anteriores

//-->

FolhaShop

Digite produto
ou marca