Pensata

Eliane Cantanhêde

22/06/2005

Picaretadas

Foi só eu botar os pés fora de Brasília que o mundo desabou. Corrupção nos Correios, "mensalão" para comprar votos de deputados, CPIs, queda do super-ministro José Dirceu. Politicamente, isso significa que... o PMDB ficou importantíssimo.

No início, os governos são fortes e os políticos ficam loucos para pular no barco. Quando os governos começam a fazer água, os políticos ficam loucos para pular fora.

Em outras palavras: no início, os políticos precisam do governo; depois, o governo é que precisa dos políticos. E é justamente nesta fase que o governo Lula está.

Com tantas denúncias, tanta suspeita, tanta incompetência política, o governo demonstra fragilidade, e a reeleição de Lula já não é tão certa assim. Para piorar, o centro da crise é o PTB, e o deputado Roberto Jefferson encurrala as cúpulas do PP e do PL --cujos deputados estariam sendo comprados, mês a mês, por R$ 30 mil pelo PT. Em acertos feitos dentro do Palácio do Planalto!

Com três partidos da base abalados pelo escândalo e diante da cisão cada vez mais séria do próprio PT, a cúpula governista só pode chegar a uma conclusão: tudo pelo PMDB!

O partido, apesar de sempre dividido ao meio, parece desta vez conseguir uma aliança tácita entre os governistas e os oposicionistas em torno de uma posição: todos querem garantir a governabilidade de Lula. Ou seja, ninguém quer desestabilizar o governo nem jogar o presidente no centro da arena.

A partir desse ponto de encontro, há ainda muitas divergências, principalmente em torno de duas coisas: os governistas esperam que esse apoio seja recompensado com cargos e os dois lados continuam divididos entre rumar com Lula e o PT em 2006 ou voltar para os braços do PSDB e um de seus quatro pré-candidatos: Alckmin, Serra, FHC e Aécio. Lula quer amarrar o presente e o futuro com a reforma ministerial da vez.

O PMDB tem fortes bancadas na Câmara e no Senado e sete governadores, além de dois ministérios e incontáveis cargos de segundo e terceiro escalões. Quer mais. O que se comenta em Brasília é que poderá levar, além de Transportes e Comunicações, que já tem, mais Minas e Energia (de onde Dilma Rousseff saiu para a Casa Civil) e Integração Nacional (hoje com Ciro Gomes, do PPS governista).

Enquanto Lula se cala sobre a questão, a cúpula do PMDB arma seu jogo. Nesta terça-feira, o presidente do Senado, Renan Calheiros, conversou com Sarney, que está em Paris, e almoçou com governistas e oposicionistas. Aliás, já tinha sondado também Orestes Quércia, em São Paulo.

Eles estão tranquilos, esperando a cavaleiro o convite do noivo e a oferta do dote. Quem deve estar sem dormir é Lula, seu partido e seu governo. Livrar-se do PTB, do PL e do PP para cair nos braços do PMDB?

Na oposição, Lula acusava o Congresso de abrigar "300 picaretas". Como não soube negociar politicamente com partidos e com líderes, obrigou seu partido e partir para a ignorância e comprar boa parte dos 300 --em espécie.

Investimento arriscado. Quem mexe com fogo sabe que pode se queimar. Quem se alia a picaretas deveria saber muito bem no que isto costuma dar.
Eliane Cantanhêde é colunista da Folha, desde 1997, e comenta governos, política interna e externa, defesa, área social e comportamento. Participou intensamente da cobertura do choque entre o Boeing da Gol e o jato Legacy, em setembro de 2006.

E-mail: elianec@uol.com.br

Leia as colunas anteriores

//-->

FolhaShop

Digite produto
ou marca