Pensata

Eliane Cantanhêde

06/07/2005

Grave a Crise

A crise política movimenta-se com a rapidez de um leopardo, enquanto a reforma ministerial de Lula continua a passos de tartaruga. E para não chegar a lugar nenhum.

A situação é grave, gravíssima. Ninguém acredita mais no governo, nem na capacidade de o presidente da República comandar sua tropa. O PT está atônito, discutindo o próprio futuro.

Todo o "x" da questão está em Marcos Valério, o publicitário de Minas do qual nunca se ouvira falar antes, mas que tinha contas fabulosas já no governo Fernando Henrique Cardoso e que no atual, de Lula, anda por aí com malas e malas de dinheiro vivo. Segundo o deputado Roberto Jefferson, que é de um partido da "base aliada" (assim mesmo, entre aspas), para pagar corações, mentes e votos de deputados.

Tudo tem uma seqüência lógica. Jefferson disse que Valério era o operador do PT para o "mensalão", ou seja, o homem da mala que pagava os deputados em espécie. Apesar dos desmentidos irados do PT e dos governistas, o Coaf (o órgão do próprio governo) confirmou que ele tinha mesmo milhões e milhões e que sacava quantias milionárias em dinheiro. Em seguida, a secretária de Valério relata malas, encontros e 31 viagens seguidas dele a Brasília. Por fim, o documento bancário mostrando que Valério não era um mero conhecido dos petistas, mas avalista de um empréstimo de R$ 2, 4 milhões (R$ 2,4 milhões!) e pagador de uma dívida de mais de R$ 300 mil.

Tudo se encaixa, o que deixa a cúpula do PT sem respostas, como se viu na entrevista do presidente José Genoino ao programa Roda Viva, da TV Cultura, na última segunda-feira (04/07). E empurra o Planalto e o próprio Lula contra a parede. Os fatos não param de surgir. O país se contorce em perplexidade e desilusão. Em Brasília, fervilham as fofocas.

Se Lula tivesse apenas seis meses de governo, tudo poderia parecer mais simples sob o ponto de vista político. Como tem ainda um ano e meio de mandato, o que é muito tempo, os caciques políticos começam a se preocupar. Por menos que queiram e muito menos trabalhem para a queda de Lula, o grande temor é que as investigações detalhadas da imprensa, sobretudo, flagrem algum documento, papel, indício que comprometam o próprio Planalto. Os caciques, mesmo os da oposição, não querem isso. Mas o ritmo dos acontecimentos há muito fugiu do controle deles. O que há é o imponderável.

Quem assiste aos telejornais, até o da sempre cautelosa TV Globo, vê as revistas e os jornais e ouve as rádios não se informa mais sobre obras e atos do governo ou votações de leis e emendas do Congresso. Tudo parou. E gira sobre a crise.

No meio disso, Lula decide dar o Ministério da Saúde (da Saúde!) para o deputado fulano do PMDB e as Comunicações para o senador sicrano também do PMDB. Além da imagem do leopardo contra a tartaruga, vem uma outra: a de Lula com um regador tentando apagar um incêndio na Amazônia.

Como sou uma otimista inveterada, acho que essas coisas vêm sempre para melhor. Escancara-se, revela-se, depura-se. O PT está muito ferido, muito sensível. Mas tem a grande chance de fazer um mea culpa de seus erros, resgatar antigos valores e sair dessa mais enxuto, mas mais verdadeiro.

O governo foi atingido em cheio pelo vagalhão. O que não se sabe ainda é onde vai desembocar.
Eliane Cantanhêde é colunista da Folha, desde 1997, e comenta governos, política interna e externa, defesa, área social e comportamento. Participou intensamente da cobertura do choque entre o Boeing da Gol e o jato Legacy, em setembro de 2006.

E-mail: elianec@uol.com.br

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