Pensata

Eliane Cantanhêde

27/07/2005

Balança, mas não cai

Aconteceu o óbvio: depois de dois meses resistindo bravamente à crise política, o mercado financeiro piscou. Foi na segunda-feira, 25/07, quando a Bolsa caiu e o dólar subiu mais do que o normal. Foi um aviso. Todo mundo, governo e oposição, botou as barbas de molho.

Um amigo que é consultor me explica que o movimento era esperado. Ninguém aguenta essa avalanche de escândalos. Segundo ele, desde a entrevista de Roberto Jefferson, a queda do Ibovespa é 6,96%. E quase 7% de queda em 1 mês e 19 dias é muita coisa, principalmente porque, no mesmo período, os mercados mundiais foram fortemente positivos.

"Isto é, descolamos da tendência mundial, o que é muito grave", concluiu.

É importante, assim, que haja maturidade, serenidade e um mínimo de grandeza de todos os atores dessa tragédia. A CPI deve investigar rigorosamente. A Polícia Federal, fazer o seu trabalho. O sistema financeiro, enviar os dados pedidos. A imprensa divulgar todas as informações. Mas tudo deve ser checado e sem precipitações.

Dos líderes políticos responsáveis, espera-se que façam o que há de mais produtivo na política: conversem. Desde que não seja para abafar nada, nem livrar a cara de nenhum culpado, o melhor que ministros políticos, líderes da oposição e articuladores nos Estados podem fazer é analisar o quadro, identificar os riscos para a economia, por exemplo, e pensar no futuro. Pensar, inclusive, em não manter práticas tão destrutivas para o país nem processos devoradores de honras e biografias.

E o presidente Lula? Até aqui, Lula se comporta como se nada disso fosse com ele e ele não tivesse explicações a dar à sociedade. Em vez de explicações, produz discursos populistas para sindicalistas, abusando de chavões e de acusações contra uma tal "elite" que ninguém sabe ninguém viu, mas não suportaria um operário na Presidência.

É um caminho arriscado. Lula não foi eleito com o teto tradicional de votos do PT e nem mesmo de toda a esquerda. Foi eleito porque atraiu a simpatia da classe média e uma espécie de apoio conformado --e disseminado_ do grande capital. Não decepcionou. Palocci conduz uma política econômica conservadora, cuidadosa.

Ao desdenhar a tal "elite" malvada e mobilizar os pobres e abandonados, Lula pode estar sacudindo o país e armando sua própria arapuca. Perde o apoio político que conquistou a duras penas ao longo de quatro campanhas presidenciais e não ganha nada novo. Apenas mantém o que já tem. Além disso, deve pensar no futuro: se for reeleito, terá condições de governar sem a mesma "elite" que o elegeu em 2002 e a quem fez todas as concessões no primeiro mandato?

A crise política é disseminada, sim. Pega o Congresso em cheio e joga o PSDB e o PFL na fogueira das contas de Marcos Valério. Mas isso não elimina o fundamental: o mais grave, o mais surpreendente é que o foco são os escândalos do próprio governo e da cúpula do próprio PT. Quem poderia imaginar uma coisa dessas?

Um é pego com dólares na cueca, o outro recebe pacote de reais e compra apartamento, um terceiro ganha Land Rover de quem tem licitações milionárias com o Estado. E toda a cúpula é suspeita de receber e de distribuir milhões e milhões para parlamentares --fora de campanha eleitoral!

Jogar todos os políticos na mesma lama pode até distrair a arquibancada, mas os camarotes estão vendo quem é quem, quem fez o quê, o que é dinheiro de campanha e o que é corrupção da grossa, que se transforma em patrimônios pessoais.

Dizer que o vizinho também rouba não é prova da inocência de ninguém. Principalmente se você é que tem o poder, o governo, a mão na massa.

As classes "C", "D" e "E" podem continuar adorando o discurso de Lula e garantindo-lhe uma boa posição nas pesquisas. Mas, além delas, há outras classes. E, além das pesquisas, há o mundo real. São essas classes e esse mundo real que estão fazendo o mercado piscar. Não porque sejam golpistas. Mas porque são mais bem informados.
Eliane Cantanhêde é colunista da Folha, desde 1997, e comenta governos, política interna e externa, defesa, área social e comportamento. Participou intensamente da cobertura do choque entre o Boeing da Gol e o jato Legacy, em setembro de 2006.

E-mail: elianec@uol.com.br

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