Pensata

Eliane Cantanhêde

03/08/2005

Duelo de Titãs

O título (Duelo de Titãs) não é nem um pouco original, mas nada traduz tão bem o embate entre dois gigantes do momento político atual no Conselho de Ética da Câmara, na terça-feira, 2/07. José Dirceu, que foi uma espécie de primeiro-ministro do presidente da República, foi frio, calculista, extremamente político. Roberto Jefferson, o homem que implode o governo, foi também frio, direto ao ponto, de uma agressividade cortante e sem histrionismo.

Ambos foram bem, impressionantes. Mas a realidade é que o ataque sempre terá mais apelo e mais destaque do que a defesa, e isso vale para os tribunais, para a política e para a mídia. Quem lidera as manchetes é Jefferson.

Até aqui, o ex-presidente do PTB atingia o governo e Dirceu, preservando Lula. Ele mudou nitidamente de patamar e, apesar de repetir os adjetivos "homem decente e íntegro" para definir o presidente da República, ele jogou o nome de Lula na fogueira, ao misturar uma audiência presidencial para a cúpula da Portugal Telecom com uma ida de emissários para Lisboa para acertar formas heterodoxas de quitar dívidas de campanha do PT e do PTB.

Para a Folha, numa conversa em seu apartamento no dia 19 de julho, Jefferson já tinha acusado Lula direta e explicitamente de ter orientado a operação e a viagem dos dois emissários, que foram o agora famosíssimo publicitário Marcos Valério e o tesoureiro do PTB, Emerson Palmieri. Os dois foram no dia 24 de janeiro e voltaram no dia 26.

Seus contatos foram com o ministro de Obras de Portugal, Antonio Meixias, que foi administrador do Banco Espírito Santos Investimentos. O triângulo português da operação era o governo, o banco e a Portugal Telecom. Registre-se que o banco Espírito Santo é um dos principais acionistas da telefônica portuguesa.

O negócio acabou não saindo. Era tão fora de padrões, ou "tão arriscado", como disse Jefferson na conversa com a Folha, que os escalões técnicos no Brasil o desaconselharam. Mas ficou a marca de que o Planalto, inclusive Lula, estavam por trás de dívidas de campanha, de emissários nada recomendáveis a outro país, tudo fornecendo mais peças para um quebra-cabeças que vai se fechando e que exibe uma imagem de horror para a opinião pública.

Uma explicação: a Folha não publicou a conversa com Jefferson do dia 19 porque ele não quis gravá-la e não quis também assumi-la. Já estava evidente, porém, que ele havia desistido de liderar o cordão de isolamento de Lula da crise. No meio do depoimento de terça-feira, e antes que ele se referisse à Portugal Telecom e aos emissários, uma assessora me telefonou e avisou que ele iria falar e que assumiria tudo o que tinha dito. Ou seja: "Manda pau".

Até agora, sabia-se que boa parte das conversas e dos acertos que hoje liquidam a imagem do PT eram nas ante-salas do presidente. A partir de agora, Jefferson diz que eram também com conhecimento dele, liberados por ele.

A crise já era gravíssima, mas parece ainda ter muito chão pela frente.
Eliane Cantanhêde é colunista da Folha, desde 1997, e comenta governos, política interna e externa, defesa, área social e comportamento. Participou intensamente da cobertura do choque entre o Boeing da Gol e o jato Legacy, em setembro de 2006.

E-mail: elianec@uol.com.br

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