Pensata

Eliane Cantanhêde

10/08/2005

República da Mentira

Marcos Valério mente descaradamente. Delúbio Soares mente. A tal Simone mente. João Paulo Cunha mente. Rogério Buratti mente. Como já mentiram José Dirceu, Genoino e Sílvio Pereira. Há um festival de mentiras na CPI dos Correios e em todas essas CPIs que andam voando por aí ameaçando pescoços e mandatos.

Para tirar a teima e acabar com versões e contra-informações, só há um jeito: fazer o cruzamento das contas, dos depósitos e dos saques do BMG, do Banco Rural, do Banco do Brasil e de onde mais for. A documentação do Rural, com muito atraso, está chegando nesta semana à CPI.

O mais difícil, agora, é diferenciar quem é quem, o que é o quê. Como são tantos e tão variados os personagens envolvidos, já está claro que é absolutamente necessário chegar a um meio termo. Isso não pode passar em branco, sem que ninguém seja punido. Mas também não é possível fechar a Câmara e o Senado, e essa é uma hipótese pelo mais elementar fato de que a maioria dos políticos usa caixa dois de campanha. Se é para cassar quem faz, cassa-se a maioria do Congresso.

A questão seguinte é: como saber se o sujeito pegou a grana para a campanha ou para meter no bolso? Se pegou para pagar fornecedores de santinhos ou para votar assim ou assado com o governo? Se errou ao usar caixa dois ou se é mesmo um baita de um corrupto?

Segundo o deputado Rodrigo Maia (PFL-RJ), da CPI dos Correios, o primeiro corte, ou o primeiro critério, vai ser de data. Ou seja, a CPI vai fazer uma relação dos que sacaram em períodos eleitorais e outra dos que sacaram fora dele, especialmente em série --o que, aí sim, caracteriza recebimento de "mensalão", de venda de voto e de consciência.

No meio de tudo isso, continuam várias incógnitas. A mais importante é em torno dos R$ 15 milhões do publicitário Duda Mendonça. A mais esquecida é quanto aos depositantes ou corruptores. A terceira, constrangedora, refere-se ao presidente da República. Há um pavor generalizado de que algo, em especial das contas de Duda, chegue até a família presidencial.

Enfim, mais do que depoimentos, o momento é de análise de material. A CPI deve recolher os holofotes um pouco, deixar pra lá os depoimentos que só geram mentiras em cima de mentiras e se concentrar na chatice dos bastidores, dos números, dos cruzamentos bancários. É mais difícil, mas mais conseqüente.

É um bom momento, também, para esfriar ânimos e pensar com responsabilidade. A palavra de ordem da CPI do Orçamento (que derrubou 10 mandatos) era "cortar na própria carne". A da CPI dos Correios é, como a história registrará, "separar o joio do trigo". Como peneirar o joio e as mentiras é que são elas.
Eliane Cantanhêde é colunista da Folha, desde 1997, e comenta governos, política interna e externa, defesa, área social e comportamento. Participou intensamente da cobertura do choque entre o Boeing da Gol e o jato Legacy, em setembro de 2006.

E-mail: elianec@uol.com.br

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