Pensata

Eliane Cantanhêde

21/09/2005

Os passos seguintes

Severino Cavalcanti vai embora hoje para sua pequena João Alfredo, em Pernambuco, sonhando em voltar deputado federal com as eleições de 2006. Pode ser apenas um sonho, pode ser que não.

Pelas regras, leis, tradição e não sei mais o quê, nada impede que um parlamentar renuncie e volte depois nas eleições seguintes, mesmo que tenha renunciado sob suspeitas do arco da velha, como corrupção, suborno, extorsão. Um horror, mas é o que vale.

Severino, portanto, está seguindo os passos de Valdemar da Costa Neto, o chefão do PL, e indo para, na verdade, ficar. Ao contrário dos outros 17 da lista de cassações da CPI dos Correios, que pagaram para ver. Um deles, Roberto Jefferson, já foi cassado e está impedido de disputar eleições por dez longos anos. Os outros estão aí, como José Dirceu, o ex-poderoso ministro de Lula.

É assim, de renúncia em renúncia, de cassação em cassação, que o Congresso vai dando respostas à pressão da sociedade (e da imprensa, vá lá) para mudar e arejar. Um processo lento, gradual e mais ou menos seguro.

A primeira parte de toda essa história, portanto, vai bem depois da explosão do megaesquema Marcos Valério. E agora? Há várias frentes de atuação:

1) as CPIs continuam e estão ouvindo neste momento, por exemplo, o economista Daniel Dantas, do Opportunity. Até aqui, têm-se os parlamentares suspeitos de terem sido corrompidos. Falta saber quem é suspeito de corrompê-los;

2) deixar de patinar na lama e deixar emergir os bons quadros, da maioria dos partidos, que há na Câmara e no Senado. Eles estão na direita, na esquerda, no centro. E estão se unindo, desde a direita ruralista à ex-esquerda guerrilheira, em torno de uma palavrinha mágica: "ética";

3) o efeito político, além do moral, de toda essa história. O PT, por exemplo, sai da crise muito arranhado na imagem e amargurado no conteúdo, mas Lula parece pairar ainda num limite razoável de aprovação. Ou seja, o governo vai jogar tudo para proteger o presidente e expor o candidato de 2006.

A sensação é que uma fase da crise está acabando, várias outras estão começando e é importantíssimo saber quem, como e com que compromissos vai assumir a presidência da Câmara no lugar do equívoco Severino. A melhor aposta é que seja alguém da oposição --do PFL ou da ala anti-Planalto do PMDB. Mas com duas características: bom passado e serenidade nas relações políticas, seja com a oposição, seja com o Planalto.

Mais importante do que a guerra política, neste momento, é cuidar da instituição, que está bem abalada. Os homens sérios do Parlamento estão demonstrando ter essa compreensão e, tão importante quanto os nomes, é o processo. Senão o consenso, muito difícil em política, pelo menos uma disputa civilizada e racional.
Eliane Cantanhêde é colunista da Folha, desde 1997, e comenta governos, política interna e externa, defesa, área social e comportamento. Participou intensamente da cobertura do choque entre o Boeing da Gol e o jato Legacy, em setembro de 2006.

E-mail: elianec@uol.com.br

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